E o barulho continua

Título | E o barulho continua
Fonte | Jornal O Estado de São Paulo – Opinião – 05/02/15
Autor | Marco Antônio Carvalho
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Um dos principais problemas enfrentados pelos paulistanos – o barulho que perturba o seu sossego, especialmente à noite – está longe de uma solução, por causa da ineficiência dos serviços encarregados de coibir os abusos de bares e casas noturnas, vizinhos e os chamados pancadões – carros que são verdadeiras caixas de som, estacionados em vias públicas. Em vez de melhorar, a situação piorou nos últimos anos, a julgar pelo número de reclamações da população, comparado com o de multas aplicadas.

Apesar do otimismo das autoridades com relação a avanços em alguns casos, no geral as estatísticas do Programa de Silêncio Urbano (Psiu) da Prefeitura são desanimadoras, como mostra reportagem do Estado. Das 33 mil reclamações feitas ao Psiu no ano passado, 26 mil foram atendidas e só pouco mais de 2% resultaram em multa ou fechamento de estabelecimentos denunciados. Só um de cada 45 registros levou à punição mais severa estabelecida pela lei. E o pior é que 2014 não é um caso isolado. O número de atendimentos feitos pelo Psiu vem caindo desde 2009 e o valor total das multas aplicadas sofreu redução de 34% no mesmo período.

A direção do programa aponta como uma das causas desse desempenho sofrível a falta de pessoal. Segundo José Eduardo Canhadas, diretor do Psiu, a demanda fica bem acima da capacidade das 15 equipes responsáveis pelo trabalho de rua. Para dar conta de todas as reclamações, elas teriam de verificar mais de 180 casos por mês. Por isso, diz ele, “a gente vai atendendo na medida do possível”. Não admira que venham aumentando as queixas sobre a incapacidade do Psiu de bem cumprir suas funções, e que Canhadas anuncie que “já está em estudo aumentar o efetivo para a gente atender mais rápido, ser um pouco mais ágil”.

A outra explicação para aqueles péssimos números é a existência de casos duplicados, que ocorrem quando mais de uma pessoa apresenta queixa sobre barulho produzido pelo mesmo estabelecimento e, é claro, apenas um atendimento é realizado. Se esses casos são tão importantes assim, a ponto de mudar o quadro, deve-se perguntar por que o Psiu não divulgou quantos são eles.

O que parece ser de fato relevante para explicar a incapacidade do programa para reduzir o número de queixas de paulistanos importunados pelo barulho, que só faz crescer, é a insuficiência de seus quadros. Nisso o Psiu se parece com todos os demais serviços de fiscalização. A falta de agentes em número suficiente para fazer cumprir as leis é um mal que atinge a administração pública em todos os seus níveis e que se manifesta de forma particularmente grave em São Paulo. É incompreensível que uma cidade do porte da capital paulista tenha apenas cerca de 700 fiscais para cuidar da observância da legislação municipal.

Em vez de atacar esse problema, que vem de longe, aumentando o quadro de fiscais, a administração de Fernando Haddad preferiu tomar um atalho. Assinou convênio com o governo do Estado para que a Polícia Militar (PM) participe das operações do Psiu, com destaque para o caso dos pancadões, objeto de uma lei específica aprovada pela Câmara Municipal, tal a gravidade que esse problema assumiu. Embora esteja longe de ser a solução ideal, essa medida poderia pelo menos amenizar o problema.

Nem isso se conseguiu, o que é explicável porque, como lembra Canhadas, nem se sabe ainda quantos PMs podem trabalhar em conjunto com os agentes do Psiu. Os números sobre o pífio desempenho do Psiu são a melhor demonstração dos limites do convênio.

A melhor solução é mesmo a mais convencional – aumentar o quadro de fiscais do Psiu, o que já deveria ter sido feito há muito tempo. Seu custo é pequeno se comparado com o benefício do aumento da tranquilidade a que têm direito os paulistanos, hoje agredidos sistematicamente porque o Psiu não consegue fazer respeitar a lei. As vítimas do barulho estão em todas as camadas sociais. Os pancadões, por exemplo, que são uma das formas mais agressivas de barulho, perturbam principalmente os moradores da periferia.