Pesquisador descreve embate sonoro de São Paulo em livro

Um estudo sociológico e uma pesquisa etnográfica sobre o ruído das grandes cidades, em especial São Paulo, realizada a partir de aspectos culturais, sociais, jurídicos, de gestão e segurança pública e da acústica deu origem ao livro Sound-Politics in São Paulo. Publicado pela Oxford University Press, com autoria do professor assistente Leonardo Cardoso, do Departamento de Estudos da Performance da Texas A&M University, nos EUA, a obra é um estudo descritivo sobre os sons polêmicos e debates sobre controle de ruído na cidade mais populosa do Brasil.

A pergunta que norteia o livro, segundo o autor, é bastante simples: por que o ruído tem sido um problema tão persistente e de difícil solução? Segundo ele, o livro busca responder a essa e outras questões a partir de um panorama histórico sobre o ruído na cidade de São Paulo e da descrição sobre como quatro setores da sociedade têm abordado o problema: o legislativo, o executivo, o judiciário e o dos especialistas – técnicos em acústica.

“A meu ver, existem dois entraves cruciais para o controle efetivo do ruído nos centros urbanos. O primeiro, de definição, diz respeito ao próprio conceito de ‘ruído’. Seria algo subjetivo ou objetivo? Uma questão de decibel ou de perturbação do sossego? Na cidade de São Paulo, o ruído acabou se infiltrando em debates sobre criminalidade, liberdade religiosa, urbanismo, cidadania e crescimento econômico (por exemplo, nos setores da construção civil e de bares e restaurantes)”, explica o autor.

O trabalho, resultado do doutorado desenvolvido pelo autor nos EUA, descreve aspectos sobre a luta da cidade contra o ruído urbano, fenômeno ligado ao mau uso do espaço urbano pelo poder público, comércio, indústria e pelo excesso de automóveis, entre outras questões. Publicado na língua inglesa, o livro aborda a política da vida coletiva seguindo tópicos ligados às práticas de produção de som e questões de governança para o combate à poluição sonora.

Cardoso destaca que na história, a cidade de São Paulo tem alternado entre debates sobre ruído com foco em questões culturais e comportamentais e discussões a problemas mais estruturais e de urbanismo. “No primeiro tipo, prevalecem as tensões inerentes às democracias liberais, de um lado uma posição de propriedade privada (a casa é minha  e eu vou ouvir música no volume que eu bem entender); de outro, uma visão democrática de sociedade, que defende que o modo de escuta de uma maioria deve prevalecer sobre os demais (madrugada é hora de dormir)”, ressalta. 

Para o autor, a poluição sonora se insere no segundo tipo de debate. Por ter um enfoque na infraestrutura urbana, onde o Estado é muitas vezes mediador e, ao mesmo tempo, agente de conflitos. “Em São Paulo, o conceito de ‘poluição sonora’ foi inaugurado nos anos 60 e 70, com a circulação de aviões à jato no aeroporto de Congonhas e a inauguração do Minhocão. Os dois casos mostram como o governo local não apenas ignora a ideia de planejamento urbano como questão acústica, mas ele próprio contribui para piorar o problema”.

Cardoso percorreu instituições públicas e privadas, entrevistou gestores e técnicos de órgãos que atuam no controle e medição do ruído em São Paulo, como o Psiu (Programa de Silêncio Urbano) da prefeitura e o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). A pesquisa se baseia em documentos oficiais (como projetos de lei, sentenças e normas técnicas da ABNT), acervos de jornais, entrevistas com engenheiros, fiscais da prefeitura, policiais, advogados e políticos. 

“Em vez de discutir o som dentro de um campo `cultural´ fechado em si mesmo, o objetivo é abordá-lo como uma categoria analítica que nos permite acessar questões de cidadania”, explica Cardoso. O ruído ambiental em São Paulo, segundo o autor, tem se enredado em uma ampla gama de debates, incluindo saúde pública, intolerância religiosa, controle do crime, planejamento urbano, direitos culturais e dos sons que entram e saem da esfera do controle estatal, conceito chamado por ele de “política sólida”. O termo se refere a sons como objetos que são suscetíveis à intervenção do Estado por meio de mecanismos regulatórios, disciplinares e de punição específicos.