Espaço físico do trabalho precisa unir conforto com a profilaxia da ansiedade e da depressão

De acordo com a arquiteta, especialista em projetos para ambientes de trabalho, Priscilla Bencke, uma pesquisa da Organização Mundial da Saúde coloca o Brasil como o país com mais casos de depressão e ansiedade da América Latina. Os índices superam a média mundial. O resultado da pesquisa mostra que é preciso cuidar melhor das pessoas e oferecer melhores condições de vida no ambiente de trabalho

Nos últimos anos a neurociência da estética vem colecionando avanços. Só entre 2012 e 2015, quatro livros fundamentais sobre o assunto foram escritos por autores como G. Gabrielle Starr, Arthur Shimamura, Anjan Chatterjee e Eric Kandel. Da neurociência da estética para a neuroarquitetura, o mundo deu algumas voltas mas as “sinapses” foram acontecendo pela atração de profissionais como o finlandês Juhani Pallasmaa e o novaiorquino Steven Holl. Pallasmaa, um teórico da arquitetura, escreveu inúmeros artigos avançando conceitos da filosofia da cultura e da psicologia ambiental. Holl mudou a ênfase da tipologia predial para o engajamento ambiental do habitante existencial, em cima de noções e ideias do filósofo Maurice Merleau-Ponty e do próprio colega Pallasmaa.

A luzinha acendeu quando surgiu a pergunta crucial: o quanto sabemos sobre a interação entre os nossos corpos e os nossos prédios? Como o ambiente construído afeta o nosso cérebro? No Brasil, ainda não temos grupos de pesquisa ligados às instituições acadêmicas para responder a essas e outras questões. De acordo com Priscilla Bencke, especialista em projetos para ambientes de trabalho, “alguns movimentos estão iniciando em cidades como Belo Horizonte, Brasília, Santa Maria, Porto Alegre e São Paulo”. Ela chama atenção para uma pesquisa realizada pela Organização Mundial da Saúde, que coloca o Brasil como o país com mais casos de depressão e ansiedade da América Latina. “Os índices superam a média mundial. Nos casos de depressão, 5,8% da população nacional é atingida. Além disso, a ansiedade afeta milhões de pessoas. No Brasil, a taxa é de 9,3%. O resultado da pesquisa é assustador pois mostra que é preciso cuidar melhor das pessoas e oferecer melhores condições de vida, nos aspectos sociais e de relacionamento nos mais diversos setores, como no ambiente de trabalho”.

Priscilla Bencke lembra, porém, que, o resultado alarmante da pesquisa decorre do quadro político, econômico e social do País mas a consequência é que as duas doenças (depressão e ansiedade) são as que mais influenciam a incapacidade das pessoas de estarem ligadas com o espaço corporativo. “Isso mesmo: o ambiente de trabalho é um dos motivos pelos quais as pessoas mais desenvolvem doenças.” Muitos consideram que a neurociência pode informar mas não determinar o que ou como os arquitetos vão desenhar o ambiente construído. Como diria um estadista inglês, “a gente conforma nossos prédios e os edifícios nos conformam”. Poderíamos recolocar a depressão e a ansiedade nessa zona de interseção.

Um escritório precisa levar em conta a acústica, iluminação, a vegetação e as cores. Todas essas influências estão interligadas a uma questão de saúde. “Nós temos um relógio biológico dentro do nosso organismo e precisamos perceber os períodos da manhã, tarde e noite, quando começa a anoitecer, quando produzimos mais hormônios relacionados ao sono. Estar apenas sob o efeito de iluminação artificial durante o dia faz com que as pessoas demorem para perceber o horário passar, o que dificulta o descanso, causando insônia, que impacta na produtividade e na saúde das pessoas.

Os ruídos são os principais vilões de qualquer ambiente de trabalho. É impossível se manter concentrado com o barulho do trânsito da rua, com o colega da mesa ao lado falando no telefone ou com o ruído do ar-condicionado que já não funciona direito. Pesquisas mostram que diminuímos 40% da capacidade de produção com a presença de barulhos externos. Ou seja, os erros aumentam em quase 30%, devido às distrações em ambientes com a presença de ruídos. A arquitetura acústica vem de uma longa tradição em nome do conforto, também, no ambiente de trabalho. “Inclusive, existem normas de desempenho acústico e, de novo, a arquitetura de conforto sonoro e a neuroarquitetura poderiam criar estratégias comuns em nome da capacidade de produção no ambiente de trabalho”, reforça a arquiteta.

“Muitos escritórios usam cores vibrantes para fugir da monotonia do branco e do cinza mas, isso pode ser um erro, pois cada cor atinge uma área do cérebro de forma diferente, gerando determinados comportamentos em cada um”, diz Bencke. “Podemos agregar aos estudos as reações das células receptoras do cérebro diante do tato e de texturas, incluindo aquelas que têm funções acústicas como a reverberação.”

“O mais importante seria o arquiteto e os profissionais assumirem a responsabilidade sobre o que estão projetando”, enfatiza a arquiteta. Hoje em dia as empresas investem em qualificação profissional, preparação e organização do trabalho mas ainda um pequeno número se preocupa com o espaço físico onde essas pessoas desenvolvem as aptidões. O espaço não reflete e não tem coerência com o processo funcional.

Pouco adianta capacitar uma pessoa para trabalhar em um ambiente desestimulante, pois o profissional não dará o melhor dele. O ambiente de trabalho está ligado ao desempenho profissional, pois cada elemento que o compõe desperta diferentes estímulos nas áreas do cérebro, que colaboram ou não para que ele execute a atividade com excelência. Sem fugir das comparações (quase sempre desfavoráveis ao Brasil), podemos lembrar que os Estados Unidos investem em pesquisas para relacionar neurociência e arquitetura. Nos centros mais avançados, as reações do cérebro em movimento a espaços construídos são medidas por escâners de MRI (Ressonância Magnética) e leituras de eletroencefalografias. “Por aqui, trabalhamos com bio feedback com avaliações de frequências cardíacas e temperaturas do corpo”, revela Bencke

Esse novo campo de estudos que busca entender como o cérebro reage a diferentes espaços construídos é considerado “uma ferramenta para adequar o ambiente para que as pessoas atuem mais satisfeitas e com resultados mais produtivos”. A neuroarquitetura influencia no desempenho dos colaboradores, as pessoas passam a produzir melhor e as empresas ganham profissionais mais motivados e dedicados. “Num momento onde as empresas precisam reduzir custos, ganham aquelas que conseguem investir no espaço físico.”, diz Bencke. Nesse sentido a neuroarquitetura está relacionada à construção sustentável quando as teses da qualidade ambiental do edifício apoiam as relações de bem-estar dos seres humanos.

De acordo com um estudo publicado na revista científica Journal of Clinical Sleep Medicine, funcionários que desfrutam de luz natural têm mais chances de se manterem saudáveis e de bom humor. As janelas com vista para a “natureza” ajudam a diminuir a frequência cardíaca e reduzem o nível estresse. Segundo o estudo, uma ação da neuroarquitetura pode distribuir folhagens e plantas próximas aos locais de trabalho o que aumenta em 6% a produtividade e estimula em 15% a sensação de bem-estar e criatividade do profissional. A vegetação também pode ser criada por meio de imagens, quadros, telas com projeções de imagens ou revestimentos que simulam madeira, pedras e plantas. Além de ser econômico é bem fácil de aplicar no ambiente.

Nos Estados Unidos, a cientista da cognição Laura Malinin do Colorado vem citando os conceitos de enriquecimento ambiental e de vizinhança residencial que se favorecem diante de ações com “novidade, desafio e engajamento” como formas de ajudar os pacientes que sofrem com doenças e distúrbios. A neuroarquitetura poderia contemplar vários aspectos do ambiente construído como retrofits de interiores. Investir em elementos naturais por meio da neuroarquitetura cria estímulos para que os funcionários produzam resultados financeiros para a empresa. Além disso, evita o “presenteísmo” – nome dado ao fenômeno de se estar de corpo presente no ambiente de trabalho mas, por vários motivos, o indivíduo está presente mas a mente não. Um dos principais anseios da arquitetura atual seria produzir ambientes corporativos capazes de propiciar a sensação de bem-estar aos colaboradores, com qualidade de vida nos diferentes espaços físicos planejados por meio da neuroarquitetura evitando doenças como a depressão ou a ansiedade.