Critérios acústicos devem ser considerados no planejamento urbano das cidades

A falta de planejamento urbano em relação ao uso do solo é um dos fatores determinantes no aumento da poluição sonora nas cidades. O poder público terá de basear o desenvolvimento das cidades em condicionantes urbanísticas, levando em consideração os critérios acústicos. Essa é a opinião do engenheiro acústico Juan Frias Pierrard, consultor técnico da ProAcústica, que nessa entrevista fala sobre o mapeamento sonoro das cidades europeias e espanholas, fazendo um paralelo com São Paulo.

Engenheiro acústico Juan Frias Pierrard, consultor técnico da ProAcústica

Engenheiro acústico formado pela Universidade Politécnica de Madri (Espanha), o espanhol Juan Frias Pierrard, se mudou para o Brasil em 2011 e desde então vem se dedicando à ProAcústica, estabelecendo-se também como consultor em São Paulo. Por sua experiência como gerente da Associação Espanhola para a Qualidade Acústica (AECOR), entre 2006 e 2011, onde colaborou na redação do DB-HR (Documento Básico de Habitabilidade-Ruído) do Código Técnico da Edificação (norma de desempenho espanhola) Pierrard colaborou na formatação da ProAcústica, na época de sua criação.

Na Espanha, ele também foi Coordenador do Comitê Técnico de Normalização 74 de Acústica da AENOR e membro do CTN 196 de Edificação Sustentável, participando ainda do Projeto Cost de Harmonização de Critérios Acústicos na Edificação Europeia. Coordenou ainda os trabalhos de várias publicações como o Guia de Acústica em Instalações Prediais e o Guia de Retrofit Acústico de Edifícios. Atualmente é consultor técnico da ProAcústica e sócio diretor da Bracústica Consultoria. Nessa edição, leia a entrevista em que Pierrard fala sobre como as cidades espanholas implantaram o mapeamento de ruído e o um paralelo com a situação crítica de São Paulo em relação à poluição sonora.

Como você vê o crescente problema da poluição sonora nas grandes cidades brasileiras? Como foi o processo de mapeamento acústico das cidades europeias a partir da Diretiva Europeia, em 2002?

Certamente o grande problema é a falta de planejamento urbano no uso do solo. Em algum momento, o poder público terá de basear o desenvolvimento das cidades em condicionantes urbanísticas, levando em consideração os critérios acústicos para evitar problemas de ruído em novos empreendimentos (prevenção) e, ao mesmo tempo, diagnosticar os problemas existentes e resolvê-los. Será necessário estabelecer um planejamento para a melhora progressiva do ambiente acústico urbano, no longo prazo, e cuidar da preservação de áreas que ainda são tranquilas. Enquanto não for tomada essa decisão, a situação do ambiente acústico sempre irá piorar.

A Europa tem políticas comuns em várias áreas e o meio ambiente é uma delas. Os países mais desenvolvidos, que já faziam mapeamentos sonoros desde há muito tempo, começaram a desenvolver as bases de uma legislação comum europeia. Para a Espanha, com pouca tradição em mapeamento sonoro, a Diretiva Europeia obrigou o país a enfrentar a questão e em poucos anos. A imposição da Diretiva para atender prazos foi o que nos permitiu estar onde estamos hoje. Do contrário, nunca teríamos conseguido sozinhos.

Como foi o processo de mapeamento das cidades espanholas? Quais os resultados positivos depois do mapeamento e medidas de mitigação e prevenção de ruído?

A verdade é que foi um grande desafio, pois era uma coisa muito nova para nós. Porém tivemos uma vantagem por não termos legislação contra o ruído: ficou mais fácil nos adaptarmos aos critérios europeus. Em outros países mais desenvolvidos foi necessário adaptar tudo o que tinham feito anteriormente, o que demandou mais tempo. No final, a Espanha foi um dos primeiros países em entregar seus mapas.

Nas cidades espanholas, as principais estratégias estão sendo o gerenciamento do uso do solo, evitando proximidade de usos acusticamente incompatíveis e os planos de mobilidade incentivando um transporte público, que cada vez é mais silencioso, limitando o uso do veiculo particular e favorecendo o pedestre. Para a infraestrutura viária e ferroviária foram instaladas barreiras acústicas e asfaltos fonorredutores. A agência que gerencia os aeroportos também está implantando planos na sua área de influência, em que assume os custos da troca de janelas comuns de edificações por outras de alto desempenho acústico.

Antes da Diretiva Europeia, quais medidas tomadas pelo poder público para gerenciar e combater a poluição sonora nas grandes cidades da Europa?

Da mesma forma que aqui se fala que existem vários Brasis, na Europa acontece a mesma coisa. Os países nórdicos levam muitos anos de vantagem na realização de estudos de impacto acústico no desenvolvimento urbano, além de terem um zoneamento muito restritivo. Essas estratégias preventivas minimizam os problemas, de forma que os investimentos em medidas corretivas são muito menores e realizados de forma efetiva, sem discussão.

Os mapeamentos de ruído realizados nas cidades europeias demonstram que 90% dos não atendimentos aos limites de ruído urbano são relativos ao trânsito. Por isso, agora, as estratégias estão focadas nessa direção. Porém, além de restrições devem existir medidas de incentivo para que as pessoas deixem o carro em casa. São comuns medidas como a restrição do trânsito e de estacionamento no centro das cidades; mais faixas de ônibus; mais linhas de transporte; áreas de pedestres; locais restritos ao transporte público; programas de locação de bicicletas; faixas expressas de alta ocupação (apenas para carros com mais de dois passageiros); criação de rotas alternativas perimetrais para desvio de veículos pesados; transporte público cada vez mais silencioso (movido a gás ou eletricidade), entre outras soluções.

Nos países do norte da Europa, surge agora uma nova proposta, que é organizar as cidades em “Quiet zones”, com o centro apenas para pedestres, bicicletas e transporte público silencioso. Ao redor dessa área existiria um anel com permissão para veículos pouco ruidosos, como algumas motocicletas e carros elétricos. E, depois, outro anel com permissão para veículos normais, e a zona periférica liberada. Além disso, qualquer evento (shows de rua, festivais, obras, etc.) precisa de um estudo ambiental acústico, que indique qual vai ser seu impacto, as ações que devem ser tomadas e, caso não possa ser mitigado, é necessário comunicar à população e limitar os horários do incômodo.

Na sua opinião, quais as principais ações e iniciativas que deveriam ser implementadas em São Paulo para combater a poluição sonora? Qual a sua opinião sobre a experiência de Fortaleza (CE), primeira cidade brasileira a ter sua Carta Acústica?

Acho importante que antes de fazer o mapeamento sonoro de São Paulo, poderia estar definido no Plano Diretor um Mapa de Capacidade Acústica do Município. Essa é uma ferramenta urbanística que determina a capacidade de ruído que cada área da cidade pode assumir e que limita a implantação de atividades ruidosas acima do limite das normas em determinadas áreas, ou restringe empreendimentos residenciais em áreas com elevados níveis de ruído. Assim, pelo menos é possível dar o start com uma estratégia preventiva, evitando problemas futuros, enquanto se desenvolve o mapeamento sonoro para solucionar, aos poucos, os problemas passados. Para isso, é necessário solicitar estudo de impacto ambiental acústico para qualquer novo empreendimento.

A partir disso dá-se início ao mapeamento que deve levar um determinado tempo para ser concluído, pois trata-se de uma estratégia de longo prazo, um processo de melhoria contínua, mas que precisa ser iniciado com urgência em São Paulo. E, claro, o primeiro mapa sonoro nunca vai ser perfeito, como aconteceu em muitos outros países. Mas essas ações não servirão de nada sem o compromisso do poder público de não conceder licenças a novos empreendimentos em desacordo com o mapa de capacidade acústica. Ou de começar um plano estratégico de melhora para os “pontos quentes” no mapeamento sonoro, onde confluem muitas pessoas afetadas por elevados níveis de ruído. Isso tudo vai demandar grandes investimentos e um esforço na coordenação de muitos organismos (meio ambiente, mobilidade, urbanismo, etc.)

Sobre Fortaleza, tenho a maior admiração pelo excelente trabalho do engenheiro Aurélio Brito, que esteve à frente do processo. Infelizmente não são todas as cidades que contam com um profissional capaz de levantar praticamente sozinho um projeto como esse. Por isso, precisamos confiar na predisposição e apoio do poder público para levar a cabo iniciativas como essa.

Como São Paulo poderia ter sua carta acústica? As autoridades daqui estão conscientes de que a elaboração de um mapeamento acústico é fundamental para a gestão do ruído urbano? Como conscientizar a população e as autoridades sobre a importância do mapeamento acústico?

São Paulo fica em desvantagem por seu tamanho e pelo fato de não ter uma cartografia digital. Considero que a melhor forma de abordar o problema é dividir a cidade em diferentes áreas e formar um grupo, de técnicos e especialistas, que coordene os trabalhos e que tenha capacidade de participar ativamente do processo. O grupo supervisionaria a atuação das empresas participantes, definindo os critérios, fixando os prazos e embasando as diferentes fases do trabalho.

Acho que as autoridades estão começando a se conscientizar, porém o cidadão quer ver resultados. O mapeamento de ruído é equivalente a um diagnóstico médico. Se depois não fizermos o tratamento direitinho, sua utilidade é mínima. Para conscientizar a população, é preciso deixar claro que, depois do mapeamento, deverá vir a solução progressiva das dificuldades.  Mas existem problemas de ruído em São Paulo que não precisam do mapeamento para serem identificados e corrigidos e que poderiam representar um bom começo para fazer as pessoas acreditarem nas soluções.

Nas cidades europeias há campanhas educativas em relação aos problemas causados pela poluição sonora?

O Dia Internacional de Conscientização sobre o Ruído (Inad) é a data em que as campanhas educativas têm mais destaque. Na Espanha, um dos grandes problemas nas cidades é o ruído noturno, em áreas residenciais, com abundância de bares e boates, que atraem muitas pessoas e ruído. As prefeituras contatam mediadores sociais para reduzir o incômodo aos vizinhos, mediante a conscientização de que determinadas práticas, como cantar ou gritar na rua, atrapalham o descanso dos outros.