Tendências e adequações da acústica arquitetônica em templos religiosos

O som, o silêncio e as religiões são manifestações indissociáveis. Em muitos rituais o ápice espiritual acontece por caminhos que percorrem o subconsciente, tendo o som ou o silêncio como veículos para o alcance do transe, do êxtase ou do júbilo. Tambores, flautas, cantos, do gregoriano ao gospel à música clássica, além da fala humana dos sermões e pregações, formam o cenário sonoro em templos religiosos. Assim a acústica nesses espaços ganha protagonismo no processo de materialização de sentimentos, emoções e experiências. Efeito que bate forte em corações e mentes.

Com boa acústica, os templos parecem flutuar, mas precisam evoluir em sintonia com o mercado para garantir o sagrado sossego da vizinhança, a privacidade e o silêncio da meditação. Segundo a arquiteta de acústica, Claudete Brito, da C. Brito Consultoria e Projetos, hoje em dia ainda existem templos religiosos com arquitetura antiga e com certa resistência em romper com modelos inspirados nos estilos romântico, gótico e barroco. Nessas configurações, explica ela, se buscava muito mais um significado místico e político do que a adequação acústica para as atividades de oratória ou musical. Os ritos religiosos eram em latim, língua eclesiástica e de nobres, portanto não havia ênfase no entendimento da oratória para as pessoas comuns. “Eram espaços majestosos, mas altamente reverberantes”, ressalta a arquiteta.


Igreja Missionária Evangélica Maranata – Méier/RJ
 
Igreja do Nazareno Taquaral – Campinas/SP

No período gótico, segundo José Augusto Nepomuceno, diretor da consultoria Acústica & Sônica, as igrejas apresentavam canções litúrgicas de estrutura simples e depois canções monofônicas de canto gregoriano, desenvolvendo um som muito rico e envolvente nos espaços reverberantes daquele período. São locais de grande cubagem, construção com materiais duros e lisos, definindo tempos de reverberação que estão na faixa entre 3,5 até 11 segundos.

“No século XX, com a Reforma Protestante, a liturgia musical passou a utilizar estilos mais populares nas músicas religiosas, com a utilização de equipamentos eletrificados, de percussão e guitarras elétricas. O problema é que os espaços não estavam e não estão, até hoje, preparados e geram reverberação do som e vazamento sonoro para a vizinhança”, contextualiza Brito.

Uma das principais e mais antigas funções da acústica arquitetônica nos templos é propiciar a ambiência e os níveis de inteligibilidade adequados na nave (ala central de uma igreja), explica o consultor Marcelo Godoy, diretor da Modal Acústica. São aspectos que contribuem para a qualidade da experiência religiosa. “Não é uma tarefa simples e deve-se levar em consideração as características da liturgia e os diversos tipos de uso do ambiente”, esclarece Godoy. Segundo o especialista, nem sempre é simples incluir materiais acústicos em templos e igrejas, sobretudo em arquiteturas mais tradicionais. Na maioria das vezes, nesses locais, as soluções precisam ser aparentes e dependem de compatibilização com a arquitetura.

Variedades acústicas

As soluções mais usuais no mercado são os forros acústicos modulares em fibra mineral ou lã de vidro, forros de gesso perfurado, ripados de madeira, painéis absorventes revestidos com tecido e placas de espuma. Quanto ao isolamento acústico, as soluções são alvenarias, drywall, lajes, coberturas multicamadas, vidros espessos e portas com folhas sólidas, entre outras.


Igreja Missionária Evangélica Maranata – Campo Grande/RJ
 
Igreja Presbiteriana do Recreio dos Bandeirantes – RJ

São inúmeras as opções disponíveis no mercado. As soluções absorventes podem ser colocadas em uma ampla variedade de locais, desde o teto, paredes ou até optar por mobiliário estofado. A localização e a escolha de materiais absorventes são uma decisão tanto estética quanto acústica”, explica Andrea Destefani, sócia consultora da Ca-2.

O condicionamento acústico desses espaços, segundo Lineu Passeri Junior, diretor técnico da Passeri Acústica e Arquitetura, visa assegurar o tempo de reverberação para que seja compatível com salas cujo uso predominante é a palavra falada. “Neste caso, deve-se privilegiar as primeiras reflexões provenientes do forro da sala, para que o som direto e refletido assegurem ao ouvinte a sensação de definição. Em salas com sistemas de som, deve-se desenvolver projetos de condicionamento acústico e sonorização em conjunto, a fim de que se possa compatibilizar as soluções”. 

De acordo com Lineu, o isolamento sonoro em templos deve ser feito de modo a assegurar níveis de ruído interno conforme a NBR 10152:2017 e níveis de ruído externo conforme a NBR 10151:2019. Já o condicionamento acústico visa assegurar, segundo ele, o Tempo de Reverberação compatível com salas cujo uso predominante é a palavra falada. A ABNT NBR 12179:1992, em processo de revisão, traz algumas recomendações para o ajuste do Tempo de Reverberação em igrejas e templos.


Igreja Congregação Cristão do Brasil – Juatuba/MG
 
Igreja Presbiteriana do Recreio dos Bandeirantes – RJ

Hoje existe uma grande preocupação em manter baixos os níveis de ruído de fundo nos locais do serviço religioso para evitar distração e interferências na inteligibilidade, segundo Nepomuceno. O silêncio permite a imersão na concentração e um desligamento das atividades do dia a dia. “Para obter desempenho no isolamento acústico com relação aos vizinhos é importante estudar a adjacência ou proximidade do templo com as vias de circulação de tráfego e vizinhos. Paredes com alto nível de isolamento sonoro, incluindo as áreas envidraçadas são fundamentais para atenuar os impactos sonoros externos”, ressalta o especialista.

De acordo com Rafael Schmitt, sócio-diretor da Scala Acústica, um dos aspectos mais importantes no contexto atual é a emissão sonora que impacta a vizinhança. Para ele é importante que hajam estudos acústicos e soluções para proporcionar a retenção de ruído de forma adequada aos requisitos da ABNT NBR 10151. “Nesses projetos, é importante o uso de ferramentas,  como o Mapa de Ruído, para avaliar o impacto sonoro na vizinhança e dimensionar soluções para isolamento e ter a garantia prévia que o empreendimento atenderá às exigências legais e normativas. Raquel Rossato, coordenadora de projetos do escritório Giner, complementa explicando que portas acústicas com as devidas vedações perimetrais, fachada e cobertura com composições projetadas para isolar o ruído interno e externo, são itens fundamentais para garantir o isolamento acústico.


Igreja Missionária Evangélica Maranata – Campo Grande/RJ
 
Mapa de Ruído – Templo Religioso

Nos projetos de interior é fundamental identificar as áreas de superfícies, volumes, formas, atividades e tempo de permanência nos espaços como fase do projeto do condicionamento acústico interno e adequações à norma ABNT NBR 10152. Nessa fase, é necessário desenvolver estudos, simulações e cálculos em busca do tempo ótimo de reverberação para o projeto.

“Quando o trabalho é para um templo religioso novo, a flexibilidade é maior na escolha dos materiais absorvedores. Quando são reformas, temos que nos adequar”, de acordo com a arquiteta Nevânia Alves, do escritório Nevânia Alves Arquitetura, responsável pelo projeto de interior da Paróquia Santo Agostinho, no bairro Urbanova, em São José dos Campos. A especialista recomenda materiais absorvedores acústicos para melhorar a qualidade de tempo de reverberação.

Uma tendência de análise sobre o condicionamento acústico desses ambientes é conforme o uso e a liturgia de cada religião. A ideia é indicar tratamentos diferentes conforme a necessidade. Para algumas religiões o tratamento acústico deve ser voltado para a voz humana e a atenuação sonora com vista a gerar silêncio para meditação; já para outras, além da voz, a avaliação precisa levar em conta o uso de instrumentos musicais com orquestras e bandas.

Fernando Neves, responsável pelo Desenvolvimento de Mercado em Acústica & Design Saint Gobain, que destaca que com relação a produtos fonoabsorventes há uma tendência das Igrejas priorizarem o uso de produtos com acabamento amadeirado, que proporcionam um design alinhado com a expectativa do arquiteto projetista. Segundo Neves, por meio de inúmeras possibilidades de furos e ranhuras, estas soluções garantem a qualidade acústica do ambiente e ainda é segura em relação ao fogo, sendo classificada como II-A conforme a NBR 16262 e a IT-10 do Corpo de Bombeiros.


Igreja Missionária Evangélica Maranata – Méier/RJ
 
Igreja Paróquia de Santo Agostinho – RJ

O arquiteto Nelson Solano, da Geros Arquitetura, chama a atenção para um problema enfrentado neste tipo de edificação – a cobertura, muitas vezes, é feita de estrutura metálica e telha sanduíche. “Isso não garante o isolamento necessário na maioria dos casos”, explica ele. Um dos desafios é limitar o nível interno de pressão sonora máximo proveniente de fontes externas, conforme a NBR 10152. “O isolamento acústico é igual a massa, peso. Portanto, em um primeiro momento, todas as soluções construtivas que sejam espessas e pesadas. É claro que em acústica temos a famosa estratégia da massa, mais mola, mais massa, ou seja, componentes que agregam material rígido, mais flexível, com bons valores de isolamento com menor peso, acentua Solano.

O gerente da unidade Ecofiber, Eduardo Volkart da Rosa, salienta que devido às grandes áreas internas de templos e igrejas, o tempo de reverberação passa a ser um problema, as ondas de som refletidas interferem em ondas de som emitidas, dificultando muito o entendimento da fala. “Nesses casos, devem ser levados em consideração os ruídos de sistemas de ventilação, ar-condicionado e os ruídos externos (poluição sonora). Com a avaliação e as soluções adequadas, o objetivo da acústica é fazer com que haja clareza sonora, capaz de permear todo o ambiente de maneira audível e uniforme”, explica Rosa. 

Para obter qualidade de tempo de reverberação e absorção acústica e criar um ambiente harmonioso e meditativo Brito ressalta que a acústica dos templos não deve ficar muito absorvente, como Salas de Conferência, já que precisam também dar ênfase a apresentações musicais, como corais e canto congregacional; e nem tão reflexivos que prejudiquem a oratória.  Portanto, deve haver um equilíbrio obtido com a utilização de materiais de absorção sonora em diferentes frequências, quanto com materiais reflexivos que valorizem os vocais. Este equilíbrio é obtido através de cálculos que incluem as características dos materiais acústicos e as dimensões do ambiente.


Igreja do Nazareno Central – Campinas/SP
 
Tempo Religioso

Crédito Imagens: As imagens que ilustram esta matéria foram disponibilizadas pelos consultores colaboradores