Canteiros de obras trabalham para se adequar à lei do ruído

Fonte | Portal AECweb – 15/03/2022
Autoria | Redação Portal
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Entrevista com o engenheiro Fábio Villas Bôas, membro do Comitê de Meio Ambiente (Comasp) e do Comitê de Tecnologia e Qualidade (CTQ) do SindusCon-SP

As restrições impostas pela lei se referem aos ruídos que permanecem, como o de um motor ligado, do vibrador no momento da concretagem de laje ou da serra elétrica, entre outros

Em setembro de 2021, a prefeitura de São Paulo publicou o decreto nº 60.581, que regulamenta o controle de ruídos na execução das obras. Em entrevista ao portal AECweb, Fábio Villas Bôas fala sobre o processo de discussão da lei, do qual foi participante ativo, e sobre os impactos nos canteiros. Comenta, também, as soluções possíveis para mitigar o problema e adequar os canteiros às restrições estabelecidas.

AECweb – Como foi o processo de elaboração do decreto que regulamenta o ruído nos canteiros?

Fábio Villas Bôas – Participei ativamente da discussão do texto da lei que, na sua versão original, causaria grandes problemas aos canteiros. A rigidez pensada inicialmente poderia, inclusive, tornar a regulamentação inócua. Foram feitas adequações bastante corretas que permitiram a continuidade das obras, ao mesmo tempo que criaram uma proteção adicional para a vizinhança.

AECweb – A iniciativa é adotada fora do Brasil?

Villas Bôas – Ao contrário, esse tipo de restrição é muito pouco utilizado no mundo. Não há nada similar em Paris, Nova York, Roma ou Londres, entre outras capitais que visitamos, onde as limitações ao ruído estão mais atreladas a questões trabalhistas. É claro que há limitações em relação à operação dos canteiros nos finais de semana e nas madrugadas. Lá fora, eles consideram que as obras são eventos temporários, com prazo para acabar. Em nenhuma delas vigora o limite de ruído de 85 dB, como o imposto na cidade de São Paulo.

AECweb – O que representam 85 dB para o canteiro e a vizinhança?

Villas Bôas – É muito fácil de se atingir 85 dB. Uma moto no trânsito supera facilmente esse índice, assim como uma martelada, uma serra elétrica ou a descarga de um feixe de aço no canteiro. Há uma questão interessante em relação à percepção humana do barulho: mais importante do que a intensidade do som é sua constância, ou seja, se o ruído aumenta lentamente e se mantém, acaba sendo assimilado.

AECweb – No entanto, a Organização Mundial da Saúde recomenda até 55 dB como ideal.

Villas Bôas – Muito além de 55 dB ser uma intensidade confortável, que permite dormir, é impossível dar uma ordem para um funcionário na obra e não ultrapassar esse patamar. Já os 85 dB da regulamentação não é o ideal para as pessoas, é o pico. Mas, para a obra, os ruídos típicos podem exceder esse limite. É uma concessão feita pelo mercado da construção civil, que terá que tomar providências.

Há uma questão interessante em relação à percepção humana do barulho: mais importante do que a intensidade do som é sua constância, ou seja, se o ruído aumenta lentamente e se mantém, acaba sendo assimilado

AECweb – É fato que o corte de piso com serra atinge 110,6 dB, o de granito chega a 104,3 dB e a operação de bate-estaca gera 99,9 dB?

Villas Bôas – Os números têm essa ordem de grandeza, porém se referem ao ruído gerado na fonte. Em acústica, há outros fatores, como a presença de elementos absorvedores próximos à fonte de ruído, como folhagens. Mas se o ruído for gerado num ambiente muito rígido, como paredes de concreto e com saída do som para um ambiente aberto, essa condição vai funcionar como um autofalante. Além disso, o nível de ruído dessas atividades depende, também, do material que está sendo trabalhado, da qualidade do equipamento e da habilidade do operador.

AECweb – A lei, portanto, não cobre todas as atividades do canteiro?

Villas Bôas – As restrições impostas pela lei se referem aos ruídos que permanecem, como o de um motor ligado, do vibrador no momento da concretagem de laje ou da serra elétrica, entre outros. Esses ruídos ficam por horas incomodando a vizinhança. Mas, a batida do martelo, por exemplo, não está atendida, porque é um barulho instantâneo, que acontece por alguns segundos e cessa.

AECweb – Quais os procedimentos que devem ser adotados para cumprir a lei?

Villas Bôas – Cortar madeira em bancada ou serrar cerâmica, por exemplo, mesmo que feitos nos pavimentos, certamente excedem os 85 dB, propiciando que os vizinhos acionem a fiscalização. Os canteiros devem adotar providências como a realização dessas tarefas numa sala fechada, um ambiente onde a alvenaria já foi executada ou no subsolo. Outra opção é a instalação de tapumes de madeira revestidos com materiais absorventes, como lã de rocha e tecidos, que reduzem a propagação do som. Defendo que a lei ficou boa, pois, ao mesmo tempo em que melhora a condição de ruído para os vizinhos, ela é factível. As empresas corretas terão como cumprir.

AECweb – O horário para descarga de materiais ainda causa dúvidas?

Villas Bôas – Os canteiros poderiam acabar com o ruído por volta das 19h. Mas esse horário acabou se estendendo, porque há uma lei municipal que restringe a circulação de caminhões no centro expandido. Daí que só é possível às obras receber materiais no período noturno. A prefeitura acabou fixando o período das 21h até meia-noite nos dias da semana e com as atividades dos canteiros já fora de funcionamento. Nós solicitamos uma hora a mais para a descarga, porém, acabamos aceitando. Consideramos que, em alguns casos, isso não será cumprido, porque a descarga à noite é feita com pouca luz, com cuidados para evitar acidente e, também, em relação à vizinhança. Ficou acertado com a equipe técnica da prefeitura que tentaríamos cumprir e, se necessário, renegociaríamos o horário no futuro. A restrição de carga e descarga aos sábados vai até as 16h, nos domingos e feriados é proibida.

AECweb – É possível que os fabricantes invistam em máquinas e equipamentos com baixo índice de ruído?

Villas Bôas – Quando se corta material mais mole, como madeira, os abafadores funcionam relativamente bem. O mesmo não acontece com os rígidos, pois o ruído é o efeito do disco de corte no material. Uma possibilidade é haver algum tipo de proteção externa, como campanulas que permitam reduzir o impacto e aumentar a absorção da pressão sonora. Não é fácil. O som tem um comportamento muito parecido com o da água, exige vedação máxima. Além disso, dependendo da frequência, os ruídos graves e agudos têm comportamentos completamente diferentes. Os agudos são de mais fácil absorção, já os muito graves se propagam através de vibração. Assim, para cada tipo de ruído as empresas terão que encontrar soluções individualizadas. Mas não vão eliminar o som.

AECweb – Um efeito colateral positivo do decreto pode vir a ser o incentivo à industrialização da construção?

Villas Bôas – O vetor principal para a industrialização não está ligado ao ruído, mas à produtividade, à escassez de mão de obra e aos custos. Claro que esse efeito da lei existe, mas é secundário, vem ‘de brinde’. Hoje, porém, se eu tivesse que construir um prédio feito um lego, teria uma dificuldade gigantesca, pois os caminhões têm acesso restrito à área central da cidade, precisam de escolta de batedores. A industrialização é uma realidade em muitos países, mas aqui será preciso ainda que a legislação e as administrações das cidades evoluam nesse sentido.

Colaborou para esta matéria Fábio Villas Bôas – É Engenheiro Civil, membro do Comitê de Meio Ambiente (Comasp) e do Comitê de Tecnologia e Qualidade (CTQ) do SindusCon-SP, e presidente da Câmara Ambiental da Construção Civil da Cetesb.