Poluição sonora e do ar, os males paulistanos são…

Poluição sonora e do ar, os males paulistanos são…
Sem começar pelos detalhes, a vida perde o valor.

Fonte | Folha de São Paulo – Opinião de 08/09/19
Autoria | Miguel de Almeida – Escritor e diretor dos documentários “Não Estávamos Ali para Fazer Amigos” e “Tunga, o Esquecimento das Paixões
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Dia Internacional da Conscientização Sobre o Ruído
Monumento às Bandeiras ganha protetor de ouvido contra ruídos em São Paulo….

Em seus três mandatos como prefeito de Nova York, o democrata Michael Bloomberg governou a cidade com o apuro de quem se veste para um primeiro encontro amoroso. Cuidou de políticas para habitação popular em bairros sofisticados (nada da pobreza de imaginação do Minha Casa, Minha Vida) e da segurança pública com igual atenção.

Mas cuidou principalmente do bem-estar de seus patrícios. Como? Dois exemplos: proibiu o cigarro em locais públicos – a começar por parques. E proibiu a buzina. Em seus mandatos, as esquinas traziam a placa “não buzine”. Inveja…

Parece frescura? O nível de ruído numa metrópole – sempre acima dos 51 decibéis indicados como saudáveis -, além do óbvio estresse, resulta em diversas doenças e até em ataques cardíacos. Tonturas, dores de cabeça, enjoos e desânimo são outros dos males advindos com a balbúrdia mal-educada. Anos atrás, o jornal The New York Times apurou em alguns restaurantes da cidade barulho equivalente a cerca de 96 decibéis – uma furadeira elétrica.

Em São Paulo, caro leitor, deve ser pior. Caso se junte a buzina desesperada dos carros (105 decibéis), a buzina torturante dos motoqueiros e o eco dos ônibus… Meses atrás, a prefeitura lançou o Mapa do Ruído Urbano. Como tarefa, um diagnóstico sonoro de todas as áreas da cidade. Algo inédito: não há essa geografia sonora da Pauliceia. Sabe-se uma coisa ou outra, como o volume de barulho no alto trânsito do Minhocão. Estimados 70 decibéis. Ou que Pinheiros é a região mais barulhenta.

Junto com a poluição do ar, a poluição sonora é um dos grandes males de metrópoles, em especial as do terceiro mundo. Por falta de descuido e de políticas públicas permissivas, caminhar na avenida Paulista equivale a duas horas na cabeceira do aeroporto de Congonhas.

Ao contrário de outras metrópoles do primeiro mundo, as cidades brasileiras padecem de um mal bastante tupiniquim. Por obra e graça do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), desde 1997 as motos podem trafegar entre os automóveis. Para constar: em um ano tranquilo, como o de 2012, morreram 12.500 motoqueiros. FHC ofereceu aos brasileiros algo inédito até na terra da Harley-Davidson. Nos EUA, apenas a Califórnia é que permite tal modalidade de roleta-russa – e, vale registrar, em lei de 2016.

Mas São Paulo não é Nova York. Com exceções. O ex-prefeito Mário Covas criou floreiras nas ilhas das avenidas e, antes, Jânio Quadros mandou plantar árvores frutíferas – “para que voltem os passarinhos”, anotou em seu decreto municipal.

Um prefeito se preocupar com flores ou passarinhos demonstra um olhar humano sobre a cidade. Estimular prédios sem muros ou com muros de vidros – como se encontra no Plano Diretor desde 2014 – auxilia a diminuir o ruído urbano, amplia a visão e ainda oferece a fruição dos jardins internos.

Junto com a poluição sonora e a do ar, por certo as calçadas sejam outras das grandes tragédias paulistanas. Esburacadas, sem padrão, desniveladas, estreitas, são um caso de lesa-pátria. E agora o pedestre disputa seu pouco espaço com as bicicletas e as patinetes.

Detalhes, sim. Sem começar pelos detalhes, a vida perde o valor.

Miguel de Almeida