Schaia Akkerman: uma vida que moldou a Acústica Brasileira
A partida de Schaia Akkerman, aos 97 anos, deixa um legado que transcende a engenharia. Sua atuação técnica e institucional moldou a acústica brasileira com profundidade e humanidade. Para compreender a dimensão de sua contribuição, é essencial conhecermos sua trajetória.
Engenheiro mecânico eletricista e civil formado pela Escola Politécnica da USP, Schaia foi um dos principais responsáveis por tornar a acústica uma disciplina essencial no Brasil. Seu percurso, que começou nos anos 1950, atravessou gerações e influenciou a forma como vivemos, trabalhamos e nos relacionamos com os espaços urbanos.


Ao longo de mais de 70 anos de carreira Schaia liderou mais de cinco mil projetos acústicos entre hospitais, teatros, aeroportos, escolas, indústrias e edifícios residenciais. Cada projeto era uma expressão de sua crença de que o som, quando bem tratado, é uma forma de cuidado com o ser humano. “A acústica é uma ciência que protege a saúde, garante privacidade e promove bem-estar”, dizia ele com convicção. Essa filosofia se refletiu em obras como o Teatro Abril Paramount, o Hospital Samaritano, o Aeroporto de Guarulhos e o Palácio Tangará, onde o conforto sonoro se tornou parte da experiência arquitetônica.
Fundador da Acústica Engenharia – hoje Akkerman Alcoragi Acústica Ideal – Schaia transformou sua empresa em referência nacional. Ele também foi autor de livros como Acústica, Questão Ambiental e Akkerman Alcoragi Acústica Ideal, que consolidam décadas de conhecimento e refletem sua preocupação com a saúde, privacidade e qualidade de vida das pessoas.


Mas Schaia não se limitava ao campo técnico. Ele foi articulador de normas junto à ABNT, Cetesb, Conama e outras instituições, sempre com o objetivo de elevar o padrão de qualidade dos ambientes brasileiros. Seu trabalho influenciou políticas públicas e inspirou novas gerações de engenheiros e arquitetos. Como coordenador da Divisão de Conforto Ambiental e Acústica, do Departamento de Desenvolvimento de Projeto e Serviços de Infraestrutura, e associado desde 1958, no Instituto de Engenharia, ele era uma referência ética e intelectual.
Entre suas principais inovações estão o uso de barreiras acústicas urbanas, o desenvolvimento de sistemas antivibratórios para hospitais e indústrias, e a integração da acústica com o conforto térmico e ambiental. Seus estudos sobre o impacto do ruído urbano influenciaram projetos como o Rodoanel Mário Covas, onde propôs soluções para mitigar os efeitos sonoros em comunidades vizinhas.
Mas talvez seu maior legado institucional tenha sido a fundação da ProAcústica, em 2010, como um dos articuladores e fundadores. Em uma de suas últimas entrevistas para a ProAcústica, em 2023, Schaia declarou: “Nos últimos anos, a acústica no Brasil evoluiu muito com as atividades da ProAcústica, não só editando publicações técnicas como também crescendo em número de empresas associadas e atuando no mercado da acústica ambiental em todos os seus serviços”.
Durante a entrevista, Akkerman dizia querer deixar um legado para servir de inspiração para os jovens que estão começando na carreira e que resgate o que ele chamava de “anos dourados” da profissão durante os séculos 20 e 21. Ele se referia a um artigo inacabado intitulado “Acústica, Anos Dourados, séculos 20 e 21”, que contém uma memória resumida do começo de tudo, a empreitada de constituir uma empresa modelo, a fundação da ProAcústica, o exame de soluções e materiais empregados em mais de cinco mil projetos desde os primeiros anos da carreira.
Além das próprias reminiscências, ele quis lembrar da convivência com outros colegas, como o engenheiro Fernando Henrique Aidar, que se dedicou à engenharia do controle de ruídos, nas áreas industrial, residencial e institucional, e dos que já morreram e fazem parte desta história.


Entre as passagens históricas, Akkerman contou que a experiência de sua empresa que surgiu em 1977 serviu para articular a elaboração de inúmeras normas. Trabalhou em projetos de acústica e controle de vibrações para fábricas, como a da Ford Motors, em São Bernardo do Campo. “Foi um dos projetos mais desafiadores porque a gente tinha que resolver uma reclamação da comunidade incomodada com uma prensa para imprimir chapas na fábrica de automóveis”. Já nos anos 80, Akkerman teve participação decisiva na criação da Sobrac – Sociedade Brasileira de Acústica.
Quando da fundação da ProAcústica, em 2010, uma parcela do mercado de produtos e serviços acústicos sentiu que a Sobrac daquela época havia incorporado um viés voltado para a academia, sem muita projeção no mundo corporativo do mercado de negócios. Akkerman, que tinha raízes no âmbito dos produtos desde o começo da carreira, apoiou a iniciativa.


Segundo ele, a ProAcústica projetou as atividades em nível internacional a ponto de o Brasil ser escolhido para sediar novamente o Inter-Noise em 2025. Esse reconhecimento internacional é prova do impacto da associação e da visão de Schaia sobre a importância da acústica como ferramenta de transformação urbana e social.
Davi Akkerman, herdeiro e profundamente envolvido com a engenharia acústica, vem acompanhando e mantendo seu legado. Como presidente do Inter-Noise 2025 SP, realizado em agosto último, Davi Akkerman fez uma saudação na abertura a seu pai: “A ProAcústica nasceu de um sonho compartilhado por profissionais apaixonados pela acústica. Meu pai, Schaia Akkerman, foi um dos pilares dessa construção. Ver o Brasil sediar o Inter-Noise 2025 é mais do que uma conquista técnica – é uma homenagem à trajetória de quem acreditou que a acústica pode transformar vidas.”
Schaia, sempre estará presente, como ele mesmo declarou: “Nosso trabalho com acústica de interiores e a proteção do ruído externo prossegue na minha empresa. O cenário mudou e hoje continuamos com uma grande procura por soluções para conforto, bem-estar, sigilo, saúde, privacidade e lazer. Fico feliz de ter feito parte dessa longa história que continua”, concluiu.
Schaia Akkerman foi mais do que um engenheiro. Foi um arquiteto do silêncio, um mentor de gerações, um construtor de dignidade. Que sua memória permaneça como um som suave e constante, lembrando-nos de que o verdadeiro conforto começa quando aprendemos a escutar.