Complexidade arquitetônica influencia projeto de Acústica do Museu do Amanhã

Com previsão de entrega em 2016, o museu projetado pelo arquiteto espanhol, Santiago Calatrava, demandou projeto e especificação precisos e utilizou a tecnologia BIM para a modelagem das soluções acústicas específicas no átrio de entrada, área de exposições temporárias e permanentes, auditório e o subsolo técnico.

O Museu do Amanhã, localizado na Zona Portuária do Rio de Janeiro, projetado pelo arquiteto espanhol Santiago Calatrava, com “tropicalização” do escritório de arquitetura Ruy Rezende, tem previsão de conclusão de suas obras no primeiro semestre de 2016. O empreendimento, de R$ 215 milhões, representa uma das âncoras do projeto de requalificação da Região Portuária, conhecida como Porto Maravilha, de acordo com a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (Cdurp), que teve a Concessionária Porto Novo à frente das obras.

Com 15 mil m2 de área construída, o projeto sustentável conta com instalação de tanques, no subsolo, para o reaproveitamento das águas da Baía de Guanabara, que serão utilizadas no resfriamento do sistema de climatização do prédio. No processo, a água captada será tratada e filtrada, mas não dessalinizada, e devolvida ao mar abastecendo antes o espelho d’água que contorna o museu.

A cobertura metálica, de 3,8 mil toneladas, é composta por 48 peças de aço semelhantes a asas (onde serão instaladas seis mil placas fotovoltaicas), que se movimentarão conforme a posição do sol, ao longo do dia, captando a luz solar, para gerar 200 KW de energia elétrica. O objetivo é que o museu receba a certificação Leadership in Energy and Environmental Design (Leed), concedida pelo Green Building Council (USGBC).

Além de captação de água e produção de energia, o projeto contempla a criação de uma grande área verde à beira-mar, com paisagismo projetado por Santiago Calatrava e desenvolvido pelo escritório carioca Burle Marx e Cia. Envolvendo todo o museu, o parque, de 30 mil m2, terá área de lazer e ciclovia, dando acesso a uma das paisagens mais bonitas e históricas da cidade, como o Morro da Conceição e o Mosteiro de São Bento ao fundo. 

Projeto Acústico

As características peculiares e ousadas do projeto arquitetônico impuseram também grandes desafios ao projeto de Acústica. As principais áreas alvo do projeto acústico foram o grande átrio de entrada, a área para exposições temporárias (no térreo), a área para exposição permanente (no primeiro piso), o auditório para palestras com capacidade para 400 pessoas, o restaurante com vista para a baía de Guanabara, os escritórios administrativos e o subsolo técnico.

“Como o museu tem um projeto arquitetônico arrojado, com duas estruturas completamente diferentes sobrepostas, e formato livre, repleto de curvas e formas orgânicas, foi necessária a modelagem do projeto em BIM (Building Information Modeling)”, explica Marcos Holtz, da Harmonia Acústica. Com isso o edifício foi construído no ambiente virtual, com informações paramétricas, permitindo maior precisão no projeto e construção, nos orçamentos, no detalhamento e execução de estrutura metálica, fôrmas de concreto, instalações, entre outras. “Dessa maneira, as soluções acústicas foram exaustivamente discutidas, muitas delas definidas por meio de protótipos na obra” destaca Holtz.

Segundo ele, os espaços mais desafiadores foram o auditório e a área de exposição permanente do museu. “O auditório, com formato arredondado, em elipse, foi de difícil solução devido à possível focalização do som em determinados pontos da plateia. A cobertura de concreto e as paredes em lambris de madeira retroiluminados foram também elementos desafiadores, além da museografia multimídia, da área de exposição permanente (com pé direito alto) e das paredes laterais em concreto branco”, diz.

Além do nível de ruído máximo, o auditório necessitou de outros cuidados, como o estudo da geometria, localização do palco e plateia, tempo de reverberação adequado, entre outros.

Como o uso principal do auditório será para conferências, palestras e eventos, as paredes foram tratadas com material altamente absorvente (αw mín=0.90), a fim de controlar a reverberação e a focalização dos raios sonoros. O teto é de laje ou forro tipo drywall liso, permitindo o reforço necessário da voz para os assentos mais distantes da plateia, que serão estofados para garantir um tempo de reverberação com pouca variação. Os equipamentos de ar condicionado foram tratados com atenuadores de ruído, tanto no insuflamento, quanto no retorno.

Normas internacionais

As principais diretrizes do projeto de acústica foram baseadas em normas internacionais. Como não existem critérios nacionais para acústica de museus foram utilizados os da norma australiana AS 2107:2000, que estabelece níveis sonoros e tempos de reverberação ideais para áreas de museus. Os materiais foram especificados de acordo com seu isolamento acústico Rw (Norma ISO 10140 e ISO 717) e sua absorção sonora αw (ISO 354 e ISO 11654). Para o auditório, foi executada simulação acústica 3D no software EASE, da Ada Acoustics, através do módulo AURA. A simulação para a fachada resultou no perfeito dimensionamento dos elementos, para garantir os níveis sonoros internos inferiores a 40dBA, que confirma que o conceito utilizado para o projeto foi adequado para palestras, conferências e som amplificado. Em caso de uso eventual para apresentações musicais, recomendamos a inserção de reverberância por sistema eletroacústico.

Simulação para garantir níveis sonoros internos inferiores a 40dBA
Simulação para garantir níveis sonoros internos inferiores a 40dBA

Principais fontes de ruído detectadas: na av. Perimetral (ruído constante). Existem diversas fontes sonoras secundárias (aviões, sinos, sirenes) e outras prováveis fontes sonoras no mar, com posições imprevisíveis. Com base nas informações obtidas com as medições e nas simulações acústicas do ruído incidente na fachada, o nível de ruído externo adotado para os cálculos de isolamento da fachada e cobertura foi de 75dB(A).

Implantação com os níveis de ruído gerados pela Perimetral
+ apito de um navio

Os materiais e sistemas acústicos empregados no Museu do Amanhã foram de alta tecnologia. A grande cobertura, que abriga a área principal de exposição do museu, tem fechamento externo de chapa metálica espessa. Internamente utilizou-se lona acústica tensionada, de alto desempenho, composta de material fonoabsorvente sobreposto, com absorção sonora calculada de αw > 0.85.

Planta com os níveis de ruído incidentes na fachada (Perimetral + apito de um navio)

“Já na área museográfica foram utilizados elementos acústicos como baffles e revestimentos incorporados às instalações, além de desenho específico de mobiliário para controle de ruído dos equipamentos internos. As portas acústicas, com Rw=40dB, sem guarnições, foram projetadas especificamente para o museu levando em conta sua estética” destaca Holtz.

Pelo fato de o subsolo ter espaço exíguo, devido às características do terreno (um pier quase no nível do mar), mas ter de comportar um grande número de equipamentos, entre eles os de reuso de água, foi necessário um detalhamento especial de todos os sistemas antivibratórios. “Uma solução interessante foi a do isolamento acústico do sistema de geração de energia de emergência, que ficou escamoteado no calçadão em frente ao museu. Já o sistema de ar condicionado é dotado de atenuadores de ruído e foi especificado com a característica de ter a velocidade controlada, a fim de reduzir os ruídos”, acrescenta Holtz.

Outras especificações do Projeto de Acústica:

Áreas de Exposição, Exposição temporárias, Observatório – Têm controle da reverberação sonora com forros fonoabsorventes de αw mín=0.70, com tempo de reverberação projetado da ordem de 1.2 segundos. A divisória articulada entre o a área de exposição temporária e o Observatório deverá ter isolamento acústico de Rw mín = 51dB, comprovado por laudo, para garantia da privacidade nos ambientes.

Salas Técnicas de Ar condicionado, hidráulica e elétrica – As salas técnicas receberam envoltório Rw mín= 50dB, portas acústicas Rw mín= 40dB e, conforme a necessidade, tratamentos fonoabsorventes internos de paredes e forros, com alta absorção sonora. Os equipamentos girantes receberam tratamentos antivibratórios para controle do ruído estrutural.

Sala de Gerador – Dotada atenuadores de ruído na tomada de ar externo e na saída de ar quente para atenuação acústica de 40dB(A), tratamento do sistema de escape de gases com tratamento termoacústico, com silenciador tipo hospitalar para 30dB(A), apoio em amortecedores helicoidais de vibração e conexão do radiador ao atenuador de saída de ar com lona.

Evaporadoras – As evaporadoras terão níveis máximos de ruído de 60dB(A) a 1m quando estiverem em salas fechadas sem ocupação humana, e de 35 dB(A) a 1m quando estiverem em salas fechadas com ocupação humana.

Sonorização e interatividade

O Museu do Amanhã não é um museu convencional. Na verdade, é dedicado às ciências e pretende ajudar o público a compreender e a explorar as possibilidades de construção do futuro e busca a interatividade máxima com seus visitantes. Dotado de ambientes audiovisuais, instalações interativas e jogos criados a partir de dados fornecidos por instituições de pesquisa do Brasil e do mundo, tem como temas cinco questões que norteiam a construção de seu percurso narrativo: De onde viemos? Quem somos? Onde estamos? Para onde vamos? Como queremos conviver nos próximos 50 anos? O museu tem o objetivo de engajar o público em uma reflexão sobre a era do Antropoceno, quando o homem se tornou força planetária capaz de alterar o clima, degradar biomas e interferir em ecossistemas.

Crescimento da população e aumento da longevidade; padrões de consumo; mudanças climáticas; manipulação genética e bioética; distribuição de renda; avanços da tecnologia e alterações da biodiversidade serão questões presentes no conteúdo e representadas na expografia do museu, que tem curadoria do físico e doutor em Cosmologia Luiz Alberto Oliveira. O designer americano, Ralph Appelbaum, assina a concepção museográfica, e o argentino, Andres Clerici, a direção artística.

O museu terá exposições de longa duração divididas em cinco áreas principais: Cosmos, Terra, Antropoceno, Amanhã e Imaginação. Essas áreas resultarão em 53 experiências diferentes. Em cada uma delas, o público terá acesso a um panorama geral sobre os temas tratados e poderá aprofundá-lo, se tiver interesse. A tecnologia funciona como suporte para a expografia, contribuindo para enriquecer a experiência do visitante. O conteúdo do museu foi elaborado por time de mais de 30 consultores brasileiros e internacionais de diversas áreas. O museu também tem parceria com algumas das principais instituições da ciência, como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e o Massachusetts Institute of Techonology (MIT), entre outros.

Diante disso, foi também um grande desafio de projetar a sonorização em todos os ambientes. De acordo com Dionísio Neto, diretor técnico da divisão de sonorização da Audium, empresa de consultoria em Aúdio e Acústica, lembra que em todas as cinco áreas há instalações de sistemas específicos que atendem aos conteúdos da museografia. “O áudio é um componente-chave na interface do conteúdo com o público. Por sua vez, as Instalações de áudio para museus são muito específicas. Por exemplo, no ambiente Cosmos foi projetado um sistema de projeção esférica, com 28 canais de áudio, o que provoca uma imersão total do visitante no conteúdo” destaca Dionísio.

Cada instalação exigiu um tipo de equipamento de acordo com a aplicação e o resultado esperado. Foram utilizados equipamentos digitais para a reprodução, transmissão e gerenciamento de áudio. “Algumas instalações exigiram sonofletores com cobertura acústica de alta definição (sound-showers e focused-arrays), sistemas surround multicanais com processamento digital, entre outras soluções”, explica.

Também foram necessários cuidados na instalação e na integração com o mobiliário de cada ambiente. Segundo Dionísio, os equipamentos foram compatibilizados com o mobiliário e as instalações, obedecendo aos critérios de ergonomia e os posicionamentos dos visitantes, as coberturas acústicas, os níveis de pressão sonora das fontes de áudio e o conteúdo.

Além disso, as tecnologias empregadas nos sistemas de áudio, vídeo e automação, obedeceram aos critérios técnicos e especificações, compatibilizando-as e passaram por ajustes no decorrer do projeto. “O foco foi a interação do público visitante com o conteúdo. A nave do edifício, destinada às instalações museográficas, exigiu um condicionamento acústico apurado para que as diversas fontes de áudio pudessem conviver, sem comprometer a interação e inteligibilidade do visitante. Por isso, a Audium recorreu a ferramentas de simulação eletroacústica no desenvolvimento dos sistemas, o que proporcionou uma maior precisão e previsibilidade dos resultados”, acrescenta Dionísio.