Projeto acústico transforma o Warung Beach Club para coexistir com a nova realidade urbana da Praia Brava (SC)
O Warung Beach Club, um dos clubes de música eletrônica mais emblemáticos do Brasil, vive hoje uma nova realidade sonora desde sua operação em 2002. Localizado na Mata Atlântica preservada da Praia Brava de Itajaí (SC), o espaço – conhecido mundialmente como “O Templo” – sempre foi sinônimo de festas intensas ao ar livre. Com estrutura aberta e vista para o mar, o clube ocupa uma área de dois mil metros quadrados distribuídos em duas pistas de dança, Inside (principal) e Garden, com capacidade para aproximadamente 6000 pessoas.




Foto: visão da pista Inside (Pistão)
Mas a expansão urbana da região, marcada pela construção de um condomínio residencial de alto padrão ao lado do clube, trouxe novos limites para a convivência entre música e cidade. Para lidar com essa transformação e garantir a continuidade das atividades, os sócios do Warung contrataram a Bracústica, empresa especializada em engenharia acústica, para conduzir um projeto técnico capaz de adaptar o som e o conforto ambiental do clube às exigências do novo cenário urbano.



Foto: visão panorâmica sem o condomínio e visão da entrada com o condomínio
A Bracústica iniciou o trabalho, com uma bateria de medições acústicas na vizinhança durante diversos eventos do clube. Com os resultados, não tiveram dúvidas sobre a necessidade de uma intervenção acústica em grande escala que permitisse atingir os reduzidos níveis de ruído ambiental que a nova situação demandava.
A intervenção teve início pela pista Garden, originalmente aberta. Apesar de ser a mais distante do condomínio, as medições indicaram que ela causava o maior impacto sonoro na vizinhança, por estar desprovida de qualquer isolamento acústico.
O primeiro passo foi revisar as soluções construtivas previstas no projeto arquitetônico, que contemplava a transformação da Garden em uma pista fechada. O envelope da nova pista incluía paredes de alvenaria com aberturas em vidro laminado de 12 mm. A cobertura seria composta por uma estrutura metálica com fechamento superior (externo) em OSB e telha Shingle, e inferior (interno) com duas chapas de drywall e uma de OSB.
Para o condicionamento acústico interno, o projeto previa revestimento em MDF perfurado no forro e placas de gesso perfurado nas paredes, ambos sem material absorvente nas cavidades. Constatou-se, no entanto, que o peso dessas soluções – como as paredes em alvenaria e o forro em MDF – era excessivo para a estrutura metálica já em construção.
Para verificar se o projeto original atenderia aos limites de ruído estabelecidos pela NBR 10151 (60 dB diurno e 55 dB noturno), foi desenvolvido um modelo acústico computacional de propagação sonora utilizando o software CADNA-A, que permite simular os níveis sonoros que incidirão na vizinhança do clube. O modelo incorporou todas as edificações do clube e do entorno, além de parâmetros que incidem na propagação sonora como temperatura, umidade relativa, vegetação, tipos de terreno existentes, presença de barreiras acústicas etc.
Na simulação da emissão sonora da Garden sobre o entorno, foram configurados dois parâmetros principais:
A – O nível sonoro previsto da música no interior do futuro Garden em funcionamento. Para tanto, foi considerado um nível sonoro interno de 110dB(A), com uma alta concentração de energia nas baixas frequências, que foi obtido a partir de medições acústicas realizadas na pista principal (Inside).
B – O isolamento acústico dos diferentes elementos que compõem o envelope da pista – paredes, telhado, portas, janelas – e sua contribuição em maior ou menor medida com o nível sonoro incidente na vizinhança.


Resultado da simulação computacional: sem intervenções acústicas e com intervenções acústicas
As simulações acústicas demonstraram que, com o nível interno de 110 dB(A), os limites legais externos de 55 dB(A) à noite não seriam atendidos. Foi necessário redimensionar as seguintes soluções do projeto:
A – O telhado, principal via de propagação sonora no ambiente, recebeu uma solução acústica de alto desempenho composta por uma camada superior externa de compensado naval com placa cimentícia e camada inferior com três chapas de drywall. A cavidade de ar entre as superfícies foi ampliada para 80 cm e preenchida com lã mineral, garantindo isolamento acústico, especialmente nas baixas frequências

Detalhe A: Cobertura
B – A parte inferior das paredes externas foi definida com blocos de concreto estrutural. Já a parte superior, por limitações estruturais, foi substituída por uma solução leve em Steel Frame com chapa tripla preenchida com lã mineral na fachada orientada para a área residencial. As áreas envidraçadas foram realocadas para outras partes dos fechamentos de fachada, onde foi usada uma parede de chapa dupla com lã mineral.
C – Os vidros das fachadas foram otimizados para vidro simples monolítico de 12 mm, com significativa redução de custo.


Detalhe B e C: Fechamento vertical 1 e 2
Para o condicionamento acústico, foram realizados cálculos precisos de tempo de reverberação com o objetivo de garantir alta qualidade sonora para música eletrônica. O tratamento fonoabsorvente foi projetado para reduzir o tempo de reverberação nas baixas frequências (63 e 125 Hz), proporcionando uma batida de bumbo mais clara, limpa e definida. Ao mesmo tempo, o leve reforço nas médias e altas frequências favoreceu o brilho da música e a percepção de seus matizes. Essa performance acústica foi alcançada por meio da instalação de painéis de lã de PET na cor preta, aplicados no forro e na parte superior das paredes, com espessura total de 150 mm – conferindo ao ambiente propriedades de absorção de banda larga, eficazes em todas as faixas de frequência.
Os acessos principais da pista foram projetados com antecâmeras acústicas, equipadas com portas duplas e revestimento fonoabsorvente nas paredes e teto, além de proteção mecânica para evitar desgaste com o fluxo de público.


Foto 1 e 2: Espaço Garden em fase de obra
Limitadores e monitoramento acústico
Como o isolamento acústico possui limitações, pois não é infinito, foi fundamental garantir que o nível sonoro gerado dentro da pista fosse compatível com a capacidade de isolamento executada, de modo que os limites de ruído não ultrapassassem nos pontos de recepção próximos.
Com o objetivo de manter o som interior da pista condizente com o isolamento acústico executado, foram adotadas duas medidas de controle:
A – Foi instalada uma estação de monitoramento permanente de ruído sobre o muro de divisa entre o clube e o condomínio vizinho. Por meio dela, o gerente passou a acompanhar em tempo real, pelo celular, os níveis sonoros que atingiam a fachada do condomínio.
B – Foram instalados equipamentos limitadores de ruído nos racks dos técnicos de som de cada pista. Esses dispositivos foram calibrados para avisar sempre que o som interno ultrapasse a capacidade de isolamento acústico do envelope. Dessa maneira, é possível aos técnicos ajustarem o volume por meio do controle máster, reduzindo o som da sala sem permitir que sejam ultrapassados os limites legais na vizinhança.

Foto: Estação de monitoramento

Foto: limitador de ruído
Pista Inside
Em 18 de maio de 2022, foi inaugurada a nova pista Garden, com capacidade para 2.000 pessoas. Durante esse evento, foram realizadas medições acústicas na vizinhança, que confirmaram o atendimento aos limites legais com ampla margem de segurança. No entanto, com a pista principal Inside em operação simultânea, os níveis de ruído ultrapassavam os limites permitidos. Foi então que se iniciou o projeto de isolamento acústico da Inside.
A Inside é a pista principal do Warung Beach Club e, desde a fundação do clube, passou por diversas reformas. Nenhuma delas, porém, havia sido voltada para o aprimoramento do isolamento acústico, já que, até então, não havia vizinhança próxima que justificasse tal intervenção.
A reforma acústica da Inside representava um grande desafio. A estrutura era antiga e composta por paredes e telhado em painéis de madeira leve e OSB, com isolamento acústico bastante limitado e resistência estrutural a cargas superiores desconhecida. Além disso, a pista estava palafitada sobre pilares de madeira, deixando uma ampla área externa inferior exposta, por onde ocorria significativa radiação sonora proveniente do piso – formado por tacos de madeira sobre vigas.
Outro ponto crítico era o acesso à pista: seis escadas conectavam a área externa inferior ao interior da Inside, todas sem portas, o que gerava um importante vazamento de som, impactando diretamente a vizinhança.
Durante os últimos seis meses do ano foi realizado um trabalho técnico minucioso para dimensionar soluções acústicas compatíveis com as condições estruturais existentes da edificação que abrigava a pista. No entanto, na quarta-feira de Cinzas de 2023, a pista Inside foi completamente destruída por um incêndio, alterando radicalmente os rumos do projeto.
Com a experiência adquirida no projeto acústico da pista Garden e a urgência em retomar as operações após a fatalidade, optou-se por uma solução construtiva robusta para a reconstrução da Inside. A nova estrutura foi executada com laje de concreto alveolar de 26 cm e paredes duplas de bloco de concreto, afastadas entre si por 35 cm – configuração que oferece excelente desempenho de isolamento acústico, especialmente nas baixas frequências.
Para o telhado, foi replicada a solução adotada na Garden, com uma pequena adaptação: a substituição das três chapas de drywall da camada inferior por duas placas cimentícias, mantendo a eficiência acústica e compatibilidade estrutural.
Atendendo ao desejo dos sócios de preservar a aparência interna do pistão quanto a externa, as alterações em relação ao projeto original foram mínimas. Houve um esforço especial para reproduzir o visual original com acabamentos em madeira, mantendo a estética. As mudanças se limitaram a ajustes pontuais de layout, redução de aberturas envidraçadas e instalação de ante câmeras acústicas nos acessos.
No condicionamento acústico, o teto foi revestido com lã de PET de 10 cm de espessura, com acabamento em tecido com impressão que imita o vime original que decorava a Inside. As paredes laterais também receberam revestimento em lã de PET na cor preta, com proteção mecânica em treliça de madeira.
Um ano depois, em 28 de março de 2024, o pistão foi reinaugurado com casa cheia e a presença de grandes nomes da música eletrônica nacional e internacional. Durante o evento, novas medições acústicas foram realizadas, confirmando o atendimento aos limites legais de ruído. Desde então, o clube tem conseguido conciliar com sucesso o lazer de um ícone da cena eletrônica com o respeito ao descanso dos moradores vizinhos.


Fotos: simulação computacional


Fotos: acabamentos da Inside
Resultados e impacto
O projeto acústico desenvolvido pela Bracústica para o Warung Beach Club estabeleceu um novo padrão de sustentabilidade sonora em espaços de entretenimento. A integração entre tecnologia de ponta, simulações avançadas e execução precisa permitiu preservar a potência e a qualidade sonora emblemática do clube, ao mesmo tempo em que reduziu significativamente o impacto ambiental gerado pelas atividades musicais.
Mais do que um case técnico, essa intervenção comprova que performance, estética e responsabilidade urbana podem coexistir – inclusive nas pistas de dança mais icônicas do país.
Créditos técnicos
Cliente: Warung Beach Club – Itajaí/SC
Projeto acústico e execução: Bracústica Consultoria
Software de simulação: CADNA-A – ISO 9613-2
Ano de conclusão: 2023