Li Cheng e os Buracos Negros Acústicos na vanguarda da inovação científica

Com uma carreira que atravessa continentes e culturas, o professor Li Cheng personifica a colaboração internacional na ciência. Sua trajetória se iniciou por uma paixão pessoal pela música, que o guiou para um PhD em acústica e uma vida dedicada a entender e manipular o som. Cheng se mantém na vanguarda da pesquisa. Seu trabalho mais recente explora o fascinante conceito dos acoustic black holes (Buracos Negros Acústicos), uma tecnologia inovadora que promete revolucionar o controle de ruídos de baixa frequência, um dos maiores desafios da engenharia acústica atual. Essa técnica permite comprimir ondas sonoras em estruturas menores, abrindo portas para aplicações que vão da redução de ruído e vibração à dissipação e coleta de energia (energy harvesting), com potencial para criar sistemas autoalimentados. Nesta entrevista, realizada durante sua primeira visita ao Brasil para o Inter-Noise 2025, Li Cheng fala também de seu compromisso como futuro presidente do I-INCE (2026) em cultivar as novas gerações de pesquisadores e promover o avanço da acústica em benefício da humanidade.

O senhor construiu uma carreira internacional com passagens por instituições de destaque na França, Canadá, Hong Kong e, claro, na China. Quais foram os marcos mais transformadores dessa jornada?

O benefício de morar em diferentes países e desfrutar de diferentes culturas é algo muito, importante em minha carreira. Claro, estamos falando de algo que aconteceu há 30, 40 anos. Eu cresci na China, onde recebi minha educação básica na universidade. Depois, mudei-me para a França, onde notei pela primeira vez como as pessoas trabalham de forma diferente, com uma mentalidade diferente, o que é ótimo. Minha carreira mais tarde me levou para Hong Kong e depois para o Canadá, e essa exposição a diferentes culturas é algo que considero profundamente importante, não apenas para um professor como eu, mas especialmente para jovens pesquisadores e estudantes.

Como sua formação no Institut National des Sciences Appliquées de Lyon influenciou sua abordagem em acústica estrutural?

Minha formação básica na universidade foi em Mecânica dos Sólidos, e a vibração é parte da Mecânica. Quando fui para a França, escolhi a acústica, em parte porque também sou um pouco músico.

É mesmo? Quais instrumentos você toca?

Eu toco o violino chinês, um instrumento com um ressonador e duas cordas. Quando eu era jovem, passava meu tempo tocando música, então desenvolvi um interesse muito forte por acústica. Foi assim que acabei fazendo meu PhD em acústica.

Ao longo dos anos, o senhor atuou como editor de periódicos renomados como Journal of Sound and Vibration e Journal of the Acoustical Society of America. Como essa experiência editorial moldou sua visão sobre a evolução da pesquisa científica na área?

Essas duas revistas são as de maior prestígio em nossa área. O Journal of the Acoustical Society of America, é uma revista muito antiga e bem estabelecida. Já o Journal of Sound and Vibration na verdade tem a mesma idade que eu. Poder me envolver com essas revistas de ponta me proporcionou uma ótima oportunidade de entrar em contato com os tópicos de pesquisa e as conquistas científicas mais avançadas. Passei muito tempo lidando com artigos e acredito que este é um canal muito útil através do qual mantenho contato próximo com nossos pares e colegas, e fico ciente dos mais novos desenvolvimentos e progressos.

O que motivou sua dedicação ao estudo das ondas lentas e dos fenômenos como o Buraco Negro Acústico (ABH) e o Buraco Negro Sônico (SBH)?

Eu talvez não fale do ponto de vista técnico, mas sim por uma razão simples. Esta conferência reuniu mais de 600 participantes que compartilham um objetivo comum: controlar o ruído ou utilizar a acústica para o benefício da humanidade. A questão fundamental que enfrentamos é que o ruído é muito prejudicial. Consequentemente, estamos todos dedicados a mitigá-lo, sendo o ruído de baixa frequência o aspecto mais desafiador. Embora existam muitas tecnologias consolidadas, persiste um gargalo no tratamento de baixas frequências. O Buraco Negro Acústico é uma técnica que permite que as ondas sejam comprimidas sem alterar as dimensões da estrutura. Isso significa que podemos usar sistemas menores para controlar baixas frequências e grandes comprimentos de onda, resolvendo, assim, tanto problemas de ruído quanto de vibração. É por isso que estou pessoalmente interessado nisso. Dentre as muitas técnicas disponíveis para exploração, esta é verdadeiramente nova, e estou entusiasmado para compartilhar os resultados de nossa pesquisa com meus colegas.

O conceito de Buraco Negro Sônico, em particular, tem atraído atenção como solução para algumas fontes em dutos. Quais poderiam ser os próximos passos na aplicação prática?

Como mencionei ao final da minha apresentação, por ser de uma universidade, meu foco como acadêmico está em novos fenômenos e no estabelecimento de novos métodos. Em certo sentido, nosso papel é explorar o desconhecido. Eu acredito que o próximo passo, assim que fornecermos evidências através de protótipos e provas de conceito, por exemplo, é que as pessoas da indústria e da consultoria, como nós, trabalhem juntas para realmente colocar em prática esse conhecimento. Eu acho que estamos no limiar da aplicação dessas tecnologias. A propósito, já estamos começando a ver algumas aplicações muito promissoras do Buraco Negro Acústico, sobre o qual temos falado em relação à estrutura. Embora o Buraco Negro Sônico seja muito novo, há um interesse significativo, refletido não apenas no número de publicações, mas também no entusiasmo da indústria. Por exemplo, temos colaborado há mais de 10 anos com uma empresa que fabrica produtos domésticos, e eles conseguem incorporar rapidamente nossa tecnologia em seus produtos, e os resultados têm sido verdadeiramente surpreendentes.

E quanto aos principais avanços recentes na manipulação de ondas acústicas e elásticas por meio de design estrutural?

Existem dois exemplos de projeto estrutural. O primeiro é para o controle de ondas flexurais: nós personalizamos a variação da espessura de acordo com uma certa variação. Através desse processo, demonstramos que a onda pode ser desacelerada – e os benefícios disso são claros. Isso é alcançado inteiramente através do projeto estrutural, especificamente pela adaptação da espessura. O segundo exemplo, do lado da acústica, é um pouco mais sofisticado. Nós introduzimos anéis, em todo o contorno, o que também é uma forma de projeto estrutural. Em seguida, demonstramos tanto numericamente quanto experimentalmente que a velocidade da onda pode, de fato, ser reduzida. A partir disso, observamos benefícios significativos em termos de manipulação de ondas e absorção de energia, tudo realizado por meio do projeto estrutural.

Como as propriedades das ondas lentas podem ser aplicadas em estruturas flexíveis, sistemas à prova de som e dispositivos de coleta de energia?

Estas são as três aplicações típicas. A primeira aplicação está relacionada à dissipação de energia. Com o acúmulo de energia, podemos dissipá-la de forma eficaz usando uma quantidade muito pequena de material. A segunda aplicação é um pouco mais técnica, e diz respeito à redução de ruído. Uma mesma estrutura pode vibrar, mas não gerará ruído significativo devido ao fenômeno da onda lenta. O exemplo final é a coleta de energia (energy harvesting). Uma vez que a energia é acumulada dentro de uma estrutura, podemos aproveitar o princípio de conversão mecânico-elétrica para transformá-la em eletricidade. Muitos pesquisadores estão explorando isso, baseados em diferentes princípios. A chave é que, contanto que você possa criar e gerenciar essa energia, é sempre possível convertê-la. Essa eletricidade coletada pode então ser usada para alimentar certas aplicações. Essa capacidade de autoalimentação é necessária e suficiente para manter a operação contínua de muitos sistemas. Um excelente exemplo são os dispositivos eletrônicos vestíveis (wearable electronics) projetados para monitorar dados de saúde humana. Esses dispositivos requerem sensores e uma fonte de energia. Através do movimento, o corpo gera uma energia que o coletor (energy harvester) pode capturar e converter em energia elétrica.

Como presidente eleito do I-INCE, quais são suas prioridades para fomentar a inovação e a colaboração internacional na engenharia acústica?

O princípio básico permanece: nós tentamos promover a pesquisa e a aplicação da engenharia de controle de ruído reunindo todos os diferentes stakeholders (partes interessadas), e isso nunca muda. Mas uma das prioridades para o futuro é realmente cultivar as gerações mais jovens e ajudar os países menos desenvolvidos. É por isso que estamos tomando iniciativas para fornecer bolsas de estudo e auxílios de viagem para estudantes que talvez não tenham recursos suficientes de seu país ou universidade. Este ano, por exemplo, nós fornecemos 20 bolsas de viagem para jovens pesquisadores.

Vocês vão manter o número no próximo ano?

Nós temos mantido o mesmo número há algum tempo e acredito que seja uma boa proporção. Para esta conferência, temos aproximadamente 600 participantes. Nós fornecemos 20 bolsas que são exclusivamente para estudantes. Um número significativo de participantes não é elegível para se candidatar. Quando você calcula a porcentagem, o número é bastante razoável. No entanto, continuaremos a avaliar a situação. Decisões futuras dependerão de uma análise da necessidade dessas bolsas e, claro, da disponibilidade de fundos.

Como o senhor enxerga o papel da formação de jovens engenheiros e pesquisadores na construção de soluções sustentáveis para o controle de ruído?

Esta conferência oferece uma plataforma ideal para os mais jovens interagirem com pesquisadores não tão jovens (risos), um processo a partir do qual eles aprendem muito. Além disso, os expositores têm a oportunidade de demonstrar as tecnologias mais recentes. Nós tentamos criar um ambiente e uma plataforma para que os jovens pesquisadores possam realmente se beneficiar. Eu acredito que estamos alcançando esse objetivo

Que papel o senhor acredita que países como o Brasil podem desempenhar no avanço da acústica aplicada, especialmente em contextos urbanos e industriais?

Existem problemas e preocupações específicas intimamente ligados ao Brasil como país, mas muitos desafios em acústica são universais. Pessoas de todos os diferentes países e nacionalidades se preocupam com questões como o controle de ruído. Mas acabei de notar que o controle de ruído tem uma comunidade de pesquisa em acústica muito vibrante e energética no Brasil. Nesta edição do Inter-Noise, entre os cerca de 600 participantes, mais da metade eram brasileiros. Isso é incrível! Isso representa uma expertise muito forte ou, no mínimo, o grande interesse dos amigos brasileiros que trabalham na área de acústica. Eu nunca teria imaginado um número assim antes de vir para cá. A propósito, esta é minha primeira visita ao Brasil, e estou positivamente surpreso e muito feliz em testemunhar o crescimento da comunidade de acústica neste país.

Você tem alguma mensagem final que gostaria de compartilhar sobre este evento?

Eu gostaria apenas de agradecer aos organizadores, e de forma mais ampla, aos amigos brasileiros. Estive aqui por alguns dias, e a atmosfera foi muito agradável desde a abertura. Desejo o melhor para o desenvolvimento do país, e espero que a amizade perdure para sempre.