Mapa para o bom desempenho acústico

Vera Fernandes HachichA engenheira civil, Vera Fernandes Hachich, mestre e doutora em Engenharia pela Escola Politécnica da USP, é sócia gerente da Tesis – Tecnologia e Qualidade de Sistemas em Engenharia. Conselheira e coordenadora do Comitê de Materiais do CBCS (Conselho Brasileiro da Construção Sustentável), atua nas áreas de inovação tecnológica, avaliação de desempenho de materiais, componentes e sistemas construtivos, gestão de programas setoriais da qualidade, tecnologia de produtos, sustentabilidade na construção civil, durabilidade e normalização de componentes e sistemas construtivos.

Destacando a importância do lançamento do “Manual ProAcústica de Recomendações Básicas para Contrapisos Flutuantes”, Vera diz que foi com grande satisfação que recebeu o convite para prefaciar a publicação. “Esse trabalho é muito oportuno pela importância do conforto acústico na saúde e bem-estar das pessoas. E também muito necessário para orientar os diversos agentes responsáveis pela construção de edifícios no país, frente ao novo cenário de avaliação por desempenho, com a publicação da norma brasileira NBR 15575 2013 – Edificações Habitacionais – Desempenho”. Leia nessa entrevista, exclusiva para a ProAcústica News, suas considerações sobre a relevância dos ensaios e as mudanças nos parâmetros de projeto e especificação que levam em conta não apenas o custo, mas também o desempenho.

Você escreveu o prefácio do “Manual ProAcústica de Recomendações Básicas para Contrapisos Flutuantes”. Qual a importância desse material na orientação dos projetistas, incorporadores e construtoras brasileiras?

Reunir um grupo de empresas, e realizar ensaios acústicos, a fim definir os parâmetros do sistema de piso, é essencial para que os projetistas, construtores e especificadores possam projetar e construir com conhecimento prévio do potencial desempenho acústico da edificação em análise.

Com as mudanças trazidas pela NBR 15575, relativas ao desempenho acústico, quais as principais dificuldades enfrentadas pelo mercado? 

A análise das possíveis soluções de uma edificação, considerando os comportamentos esperados do ponto de vista acústico para as vedações verticais, coberturas e sistemas de piso, além das instalações hidrossanitárias e elétricas, para atender os requisitos de acústica é atividade complexa. Isso será incorporado gradativamente à cultura do setor da construção civil brasileira.

Há poucas informações disponíveis sobre resultados de ensaios, a partir das variáveis da obra. A priori, é muito difícil para o projetista e para o especificador definirem subsistemas, sem as informações relativas ao seu desempenho acústico. Aguardar a conclusão da obra para depois analisar o comportamento acústico, pode ser muito arriscado, com alta probabilidade de não se atingir o resultado necessário para atender aos critérios acústicos mínimos. A solução, no caso de não atendimento, será sempre onerosa e demorada, pois será necessário corrigir um sistema de piso já concluído.

O caminho, então, é a difusão de informações técnicas?

Sim, pois as dificuldades começam a ser equacionadas a partir de iniciativas como o lançamento do “Manual ProAcústica de recomendações básicas para contrapisos flutuantes”, iniciativa da Associação Brasileira para a Qualidade Acústica.

O Ministério das Cidades também realizou um trabalho de compilação de resultados de ensaios de desempenho, realizados pelos setores e está tornando público tal trabalho para dar suporte técnico às decisões dos projetistas e especificadores. O link com as informações é esse: http://app.cidades.gov.br/catalogo e qualquer usuário pode ter acesso aos documentos que orientam sobre a implementação da ABNT NBR 15575, no âmbito das Habitações de Interesse Social – HIS, e também das soluções com desempenho avaliado para sistemas convencionais e inovadores. Tais soluções, organizadas em fichas de cada subsistema (vedação vertical, piso, cobertura, hidrossanitários), encontram-se na publicação intitulada “Especificações de Desempenho nos Empreendimentos de HIS Baseadas na ABNT NBR 15575 – Edificações Habitacionais – Desempenho”.

Dessa forma, a construção civil brasileira começa a mapear possibilidades construtivas com bom desempenho e pode fazer uso desses resultados como ferramentas para a tomada de decisões em relação a soluções. Então, agora, pode-se levar em conta não apenas parâmetros de custo, mas também de desempenho.

Para os fabricantes do segmento de acústica, qual a importância da realização de ensaios para a caracterização de seus produtos e sistemas? Quais as vantagens competitivas para essas empresas?

Realizar ensaios acústicos para definição dos parâmetros do sistema de piso é essencial para que os projetistas, construtores e especificadores possam projetar e construir com conhecimento prévio do potencial desempenho acústico. Como esses profissionais necessitam das informações do desempenho acústico das soluções construtivas para a tomada de decisões, e nem todas as soluções disponibilizam o comportamento acústico, o pioneirismo desse esforço cria confiança e vantagem competitiva para esses fabricantes. Além disso, permite a eles desenvolver suas soluções com conhecimento prévio, aprimorando permanentemente seus sistemas de contrapisos flutuantes.

Nesse aspecto, como vc avalia a iniciativa da ProAcústica de intermediar um pacote de ensaios em um laboratório em Coimbra, Portugal, o ITeCons Instituto de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico em Ciências da Construção?

No Brasil, ainda estamos construindo laboratórios para a realização de ensaios de sistemas de piso. Há apenas duas possibilidades, por enquanto: ensaiar apenas revestimentos de piso com sistema de piso constituído de laje de concreto de 12 cm, com ou sem contrapiso; ou ensaiar os sistemas de piso nas obras concluídas, conforme preconiza a NBR 15575. O inconveniente de ensaiar no Brasil, portanto, é que você não consegue caracterizar o contrapiso flutuante em si. Todas as possibilidades de ensaio se darão a partir do sistema estrutural existente, quer no laboratório (laje de concreto 12 cm), quer na obra em questão. O esforço da realização dos ensaios em laboratório externo, como o ITeCons (Instituto de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico em Ciências da
Construção) confere aos resultados a possibilidade da caracterização do contrapiso flutuante, com o potencial acústico, permitindo dar aos projetistas informações para quaisquer projetos, independente do sistema estrutural do sistema de piso.

Como o mercado imobiliário (construtoras e incorporadoras) vinha lidando com a questão do ruído de impacto, alvo de reclamação de consumidores? E agora, depois da publicação da NBR 15575? Há um conhecimento maior sobre as soluções, como o contrapiso flutuante, seu projeto, especificação e execução?

O mercado imobiliário é obrigado ainda a aguardar a conclusão da obra para, depois, analisar o comportamento acústico. É a única maneira de demonstrar a conformidade a NBR 15575. O fato de não haver resultados disponíveis, faz com que haja risco de não conformidade. A correção dos problemas será sempre onerosa e demorada, pois terá que ajustar um sistema de piso já concluído. Daí a importância da iniciativa da ProAcústica, com a publicação do Manual.

O mercado tem conseguido compatibilizar a solução dos contrapisos flutuantes com os custos adicionais envolvidos nos três níveis de desempenho preconizados pela NBR 15575? Como vem ocorrendo essa adaptação?

O mercado imobiliário está ainda se adaptando a essa nova realidade. Há maior troca de experiências e informações entre incorporadoras, construtoras e projetistas, o que é muito estimulante e enriquecedor. As soluções tendem a ser mais discutidas e será uma questão de tempo conhecer as que são mais interessantes para cada tipo de edifício e sua ocupação.

Você considera importante as construtoras padronizarem procedimentos de projeto, especificação e execução em diversas tipologias de contrapisos flutuantes? Como elas podem proceder para obter um repertório de soluções para os diversos casos?

No trabalho de compilação de resultados de ensaio de desempenho realizados pelos setores junto com o Ministério das Cidades, deixou-se em aberto o posterior recebimento de ensaios e desempenho de soluções. Assim, será possível tornar público o desempenho acústico de vários sistemas de piso, quando os ensaios forem realizados pelos setores. Caberá aos atores a realização dos ensaios, como essa iniciativa da  ProAcústica. Quanto maior o repertório de soluções, maiores as possibilidades dos contrapisos flutuantes serem escolhidos para as obras. A padronização dos procedimentos poderá ser um trabalho de normalização desenvolvido pelo setor em parceria com a sociedade. As construtoras poderão usar soluções padronizadas por norma, ou então terão que realizar banco de dados próprio, o que poderá limitar as possibilidades da solução àquelas que já tenham utilizado em obras anteriores.

A NBR 15575 trouxe desafios para o mercado imobiliário, principalmente nas questões referentes ao desempenho acústico. Há, portanto, uma curva de aprendizado a ser considerada. Em quanto tempo acredita que esses procedimentos serão absorvidos e se tornarão usuais?

A discussão das soluções com bom desempenho já é uma prática da construção civil brasileira, através de encontros técnicos, conferências, publicações e até de redes sociais. No entanto, o repertório de soluções só será amplo se os setores fizerem seus ensaios e os disponibilizarem para conhecimento público, pois as construtoras não serão ousadas, já que os custos de reparo são altos. Sem os resultados prévios dos ensaios o desempenho só será conhecido por medidas acústicas em obra, após sua conclusão. Sendo assim, a curva de aprendizado depende sobremaneira da velocidade com que os setores tornarem disponíveis o desempenho de seus produtos. Daí a importância da iniciativa da ProAcústica com o lançamento do Manual.