O jeito tranquilo de ensinar

O arquiteto Nelson Solano, que atua há 38 anos na área de projetos ambientais, de eficiência energética e em consultoria de projeto como diretor na Geros, empresa associada ProAcústica, no momento, se debruça sobre uma avaliação de pós-ocupação da Escola Municipal de Ensino Fundamental Desembargador Amorim Lima. Situada no Butantã, em São Paulo, a escola passou, recentemente, por uma intervenção acústica que fez parte de uma ação solidária, organizada pela ProAcústica.

Leia nessa entrevista, exclusiva para a ProAcústica News, como o arquiteto Nelson Solano irá avaliar as intervenções sonoras da escola. A avaliação tem como objetivo atestar uma possível melhora no  no rendimento escolar.

Nelson Solano

O arquiteto Nelson Solano, que atua há 38 anos na área de projetos ambientais, de eficiência energética e em consultoria de projeto como diretor na Geros, empresa associada da ProAcústica, no momento, se debruça sobre uma avaliação de pós-ocupação da Escola Municipal de Ensino Fundamental Desembargador Amorim Lima. Situada no Butantã, em São Paulo, a escola passou, recentemente, por uma intervenção acústica que fez parte de uma ação solidária, organizada pela ProAcústica.

Próxima a uma avenida de grande movimento, essa escola pública experimental tem uma proposta avançada de ensino e, no decorrer dos anos, algumas paredes foram derrubadas para ampliar o tamanho das salas. O espaço aumentou, mas, com mais crianças, o ambiente ficou ainda mais ruidoso.

A escola Amorim existe há 62 anos abriga 860 alunos. Com uma verba da prefeitura de 1.500 reais por mês para a manutenção e serviços emergenciais, a intervenção para melhorar o conforto acústico dos alunos só foi possível graças ao fornecimento gratuito de soluções de projeto, instalação, medições e a obra por empresas associadas da ProAcústica. Os ambientes incluídos nas intervenções para melhorar a qualidade acústica da escola e as ações incluem tratamento dos forros nas salas que dão para a rua transversal e troca de portas e janelas por venezianas acústicas nas salas próximas à avenida Corifeu de Azevedo Marques.

“O objetivo da avaliação é alastrar e criar uma conscientização entre arquitetos, engenheiros, o poder público, professores, alunos e estudantes da necessidade de melhorar a qualidade do aprendizado, o que passa, sem dúvida, pela melhoria das condições ambientais”, salienta o arquiteto.

Qual o principal conceito que deve nortear a avaliação pós-ocupacional da escola Amorim?

As condições de acústica para que as atividades sejam realizadas da melhor maneira possível valem para qualquer edificação e são mais críticas para salas de teatro, cinema ou espetáculos e, também, para escolas. Estas condições são avaliadas inicialmente pelo nível de ruído de fundo nos distintos ambientes. Estes ruídos são normalmente provenientes de fontes externas, geradas por grandes avenidas com altos níveis de ruído urbano. No caso de salas voltadas para atividades de aprendizado, pela norma, este  não pode passar de 45 decibéis. O ideal seriam 40 decibéis. Acima desses valores, o ruído interfere de forma decisiva na inteligibilidade do que é falado na sala de aula. Um ruído de fundo pode gerar uma perda da comunicação que vai de 0% a 100%. Ou seja, uma perda de 50% implica que de cada dois fonemas falados pelo professor, o aluno deixa de entender um. E ainda precisamos levar em conta as fontes internas de sala de aula para sala de aula, os ruídos gerados pela área da quadra de esportes, do pátio, dos locais de refeição e merenda que jogam barulho para todas as salas e para a biblioteca.

Nesse caso, quais foram as principais intervenções?

Melhoria principalmente no condicionamento acústico interno de algumas salas de aula e também do isolamento acústico das fontes externas. Nas classes voltadas para a avenida  Corifeu de Azevedo Marques foram executadas intervenções nas janelas, paredes e portas. Para atenuar o ruído e manter a ventilação natural, as janelas foram elevadas e receberam novos caixilhos com vidros e a instalação de venezianas acústicas. Todas as portas e janelas foram substituídas para manter o ambiente das salas de aulas dentro da norma ABNT NBR 10152 “Níveis de ruído para conforto acústico”, que recomenda níveis entre 40 e 50 dBA.

Nas salas voltadas para a fachada da rua lateral, que gera menos volume de ruído, foram consideradas as condições internas de reverberação de piso, teto e paredes. Ao contrário de uma sala de apresentações em que a música precisa reverberar para criar o efeito surround (envolvimento), numa sala de aula, o condicionamento acústico deve trabalhar para diminuir o tempo de reverberação. O estímulo sonoro – no caso, a fala – deve se dissipar e não ficar batendo em superfícies duras. Na linguagem falada, o risco sonoro seria o primeiro fonema de uma palavra bater na parede e mascarar o segundo, o terceiro, o quarto fonemas, etc. – dependendo do tempo de reverberação – criando um obstáculo na inteligibilidade. No caso da escola Amorim foram colocados forros de alto desempenho acústico para aumentar a absorção sonora e atenuar a reflexão.

E como será a avaliação pós-ocupação?

A análise técnica com medidor de nível sonoro (sonômetro) vai mostrar como estava antes e como está agora. Sem uma noção precisa de desempenho estaremos falando de boas intenções, apenas. Precisamos medir. Se tinha 70 decibéis.e agora caiu para 50, diminuiu 20 mas precisa cruzar esta avaliação quantitativa com a qualitativa do comportamento do usuário. A avaliação pós-ocupação, também conhecida pela sigla APO, nasce na psicologia alemã do pós-guerra, passa pela arquitetura nos Estados Unidos com o boom na habitação de baixa renda e se alastra pelo mundo. A USP traz essa metodologia para o Brasil e a outras universidades. A APO avalia tudo: acessibilidade, ventilação, acústica, vida útil, acabamento, conforto térmico, iluminação, ergonomia, instalações hidráulicas e elétricas, etc., mas, no caso dessa escola no Butantã, vamos avaliar com alunos e professores somente a situação acústica. É inaceitável uma escola com nível de ruído alto. Em qualquer país sério isso é piada.  O aprendizado e o rendimento escolar são questões prioritárias para uma coletividade que pretende mudar o país com a educação e isso passa pela qualidade acústica dos espaços.

E a indústria de materiais, os escritórios de projeto e a construção civil? Como respondem a esse problema?

Para a construção existe o retrofit para adequar a edificação às novas condições de desempenho. Claro, existem projetos ruins, legislação falha, há corrupção e longos processos. Nada funciona? Não. Estamos trabalhando por normas técnicas mais rigorosas. Existem escolas boas e a FDE (Fundação para o Desenvolvimento da Educação, da Secretaria de Educação do Estado de SP) tem se preocupado com estas questões. A situação está melhorando. Essa experiência serve para chamar a atenção, mostrar os benefícios, conscientizar pais e gestores públicos e privados. Uma avaliação objetiva por medições com critérios metodológicos e científicos juntamente com a APO permite ir além e mostrar se melhorou o rendimento escolar. E é isso que pretendemos fazer.