Cresce demanda por soluções para a poluição sonora nas cidades

O mapeamento sonoro é importante para todas as regiões do país, pois ajuda o poder público a planejar melhor a cidade e alocar empreendimentos como escolas, hospitais distantes de fontes de ruído. O barulho em excesso pode causar, além da perda auditiva, alterações no sono, irritação, depressão, zumbido, agressividade, perda de desempenho cognitivo, entre outras doenças Com a pandemia da Covid-19 foi subvertida a lógica do comportamento social o que pode ter desenhado mudanças drásticas de direção nas radiações sonoras no planeta. Se as cidades brasileiras tivessem mapas de ruído antes da pandemia, quais efeitos práticos teriam os estudos das paisagens sonoras sobre o antes e depois?

As ações humanas no meio ambiente têm causado profundos impactos no comportamento da Terra. Eventos climáticos extremos como a seca rigorosa pela qual passamos nesse momento estão entre os exemplos de casos de ação danosa do homem na natureza. Resultado de anos de degradação esses acontecimentos tornam a vida mais difícil e a saúde humana mais sensível em meio a estados de contaminação a que estamos expostos. Entre os níveis de poluição, uma das piores é a sonora, que está em segundo lugar como maior causadora de doenças, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, à frente da poluição da água e só atrás da do ar. O ruído em excesso pode causar, além da perda auditiva, alterações no sono, irritação, depressão, zumbido, agressividade, perda de desempenho cognitivo, entre outras doenças.

Com a pandemia da Covid-19 foi subvertida a lógica do comportamento social o que pode ter desenhado mudanças drásticas de direção nas radiações sonoras no planeta. Se a maioria das cidades brasileiras tivesse desenvolvido mapas de ruído antes da pandemia, como se desenhariam as mudanças de direção das fontes de ruído e como essas informações poderiam estar sendo objeto de análise de especialistas para se transformarem em ferramentas de governos para formulação de políticas públicas?   

De acordo com Juan Frias, coordenador do Comitê Acústica Ambiental da ProAcústica, a prefeitura de São Paulo – que sancionou a Lei 16.499, em 2016, que estabelece a obrigatoriedade do Mapa de Ruído Urbano – tinha sete anos para realizar o mapeamento completo da cidade. Agora, em 2021, desses sete anos, se passaram cinco e, em 2023, terminará o prazo. “Nesse sentido acho que o projeto estagnou, principalmente com a chegada da pandemia. Precisamos retomar com a Prefeitura para ver como será o desenvolvimento. O prazo está curto para fazer um mapa de uma cidade do tamanho de São Paulo”, ressalta Frias.

Na Europa os mapas de ruído são feitos, na maioria, a cada 5 anos. As atualizações servem para comparar o novo mapa com o anterior e para identificar mudanças nas paisagens sonoras das cidades. Momento que é verificado se determinadas áreas ou bairros estão melhorando ou piorando, estão mais ruidosos ou silenciosos e se as ações urbanísticas dão os resultados esperados.

Paisagens sonoras brasileiras

Em um levantamento feito com profissionais de algumas cidades brasileiras, com características bem distintas, as conclusões remetem à necessidade do mapa de ruído.

Vitor Litwinczik, sócio diretor da Anima Acústica, consultoria que atua na região de Florianópolis, em Santa Catarina, entende que o mapeamento sonoro é importante para todas as regiões do país. “Principalmente para as cidades de médio e grande porte, pois ajuda o poder público a planejar melhor a cidade e alocar empreendimentos como escolas, hospitais em locais mais adequados, distantes de fontes de ruído. Além disso, ajuda o mercado imobiliário a ter a uma noção melhor de onde construir e investir recursos e a melhorar a qualidade dos imóveis que estão sendo entregues”.

Nas regiões de Blumenau, Itajaí e Camboriú, em SC, onde há infraestrutura portuária, polos industriais, rodovias e zonas comerciais há um fluxo de trânsito de caminhões pesados passando por dentro de zonas mistas com predominância residencial, observa Rafael Schmitt, sócio-diretor da Scala Acústica. “Aqui as cidades cresceram de forma desordenada, existem grandes indústrias ainda dentro dos centros urbanos onde acabam sendo fontes poluidoras. Em Balneário Camboriú, Itapema e Meia Praia (Itapema) os prédios são construídos muito próximos da rodovia BR-101, onde tem um fluxo de veículos muito intenso, não só de dia como de noite. Muitos prédios daquela região são afetados por essa poluição sonora advinda do tráfico rodoviário de veículos leves e pesados”, explica ele.

No caso de Brasília, DF, os levantamentos sobre a poluição sonora são pontuais, como o realizado pelo Ibram (Instituto Brasília Ambiental), em 2013, na região do chamado Plano Piloto. “No meio de Brasília, no centro das superquadras, há um baixo nível sonoro, onde é audível o canto de pássaros como sabiás, bem-te-vis e pardais. Isso ocorre devido aos grandes espaços livres e arborizados que distanciam essa região das vias de tráfego intenso. Já nas demais cidades satélites, que possuem menos áreas de descompressão, o ruído do tráfego e do metrô de superfície segue sendo o marco da paisagem sonora” pontuam as sócias do escritório brasiliense Síntese Acústica, Cândida Maciel e Fabiana Curado ao descreverem os diferentes sons que compõem a cidade.

Veículos elétricos trazem alívio

Novas soluções tecnológicas estão chegando para ajudar a combater o ruído urbano, entre eles o mais poluente, o trânsito de veículos automotores. Os motores elétricos muito mais silenciosos que os movidos à combustão chegam, até onde parece, como uma solução eficiente para o problema das grandes cidades. Segundo Juan Frias, para que essa mudança seja significativa a presença de veículos com motores elétricos precisa ser bastante alta. Ele explica que o ruído de carros convencionais possui três tipos. Os sons de velocidades baixas, intermediárias e altas. No primeiro o som que prevalece é do motor, no segundo o da interação entre o pneu e o pavimento e, no terceiro, o ruído aerodinâmico.

Se considerarmos as ruas de menor velocidade onde o volume de trânsito é alto e não permite atingir grandes velocidades, teríamos uma contribuição importante do ruído do motor e, consequentemente, dos motores elétricos na redução de ruído. “Em uma rua de baixa velocidade para se obter uma redução de 3 decibel (dB) é necessário ter a presença de 50% de veículos elétricos. Com 75% de motores elétricos, em tráfego lento, se consegue uma redução de até 6 (dB), explica Frias.

As entregas feitas por motocicletas se tornaram uma fonte de poluição sonora muito significativa e com poucas ações de fiscalização do barulho dos escapamentos, afirma Schmitt. “Muitos dos escapamentos das motos estão fora dos padrões normativos e com a emissão sonora acima do permitido”. Na maioria das cidades brasileiras no primeiro semestre de 2020 o tráfego urbano reduziu bastante, mas, ao mesmo tempo, aumentou a circulação de veículos de entrega de produtos e de refeições.

De acordo com Cândida Maciel e Fabiana Curado, esses foram fenômenos temporários, pois atualmente o tráfego urbano já não apresenta grandes diferenças em relação ao início do ano passado. “As igrejas e centros religiosos que, por um tempo passaram a fazer as suas celebrações na modalidade drive in, em alguns estacionamentos, voltaram a fazer as atividades no interior das edificações. E as atividades recreacionais retornaram, com público reduzido”, explicam elas.

Notícias recentes mostram iniciativas importantes para a diminuição da poluição sonora em grandes cidades brasileiras e europeias. As empresas iFood, de entrega de refeições por aplicativo, e a Ambev, fabricante e distribuidora de bebidas, firmaram parcerias com montadoras de veículos elétricos para o fornecimento de motos e caminhões de entregas; e prometem início imediato da renovação da frota dos veículos em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo. Já a prefeitura de Paris, na França, anunciou que instalará radares que multam veículos que extrapolem o limite de ruído estabelecido na legislação da cidade.

Construções mais eficientes

A demanda por parte do setor da construção civil por laudos ambientais para atendimento da Norma de Desempenho, NBR 15575, cresceu em Brasília, segundo Maciel e Curado. “Houve aumento significativo nas avaliações de Classe de Ruído com essa finalidade. Esse procedimento tornou-se uma prática constante para as construtoras que identificam no documento uma forma segura de registrar as fontes sonoras às quais seus empreendimentos estão expostos”, explicam as arquitetas.

O setor da construção civil, que responde por 11% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional, é um dos poucos no país com atividade positiva e com estimativa de crescimento de 4% em 2021. Segundo Schmitt, as incorporadoras e construtoras estão cada vez mais conscientes sobre a necessidade de fazer a análise prévia sonora do entorno e da envoltória dos empreendimentos a serem construídos. Com esses registros, principalmente do tráfego rodoviário, são feitas as simulações computacionais para que os empreendedores consigam avaliar as necessidades das soluções acústicas e os desempenhos naquele contexto”, explica Schmitt.

Litwinczik conta que um empreendedor solicitou a seu escritório a caracterização do entorno e estudo da classe de ruído de um empreendimento onde a execução da obra estava em andamento, para determinar o desempenho das fachadas. O procedimento foi realizado e mostrou que a região demandava o desempenho um pouco superior à classe 3. Após o envio do relatório, o cliente informou que a classe 3 iria impactar diretamente no custo do projeto. “A partir dessa difícil situação foram necessários novos estudos e simulações para economizar recursos na fachada e investir mais em outras soluções para realocar recursos e encaixar o projeto no orçamento.

Revisão da norma

No último dia 14/09/2021 a revisão do texto de acústica para a Norma de Desempenho, NBR 15575, foi publicada. Entre as novidades um item importante para a acústica ambiental foi aperfeiçoado. Segundo Frias, antes o texto classificava as classes de ruído 1, 2 e 3 das fachadas dos dormitórios conforme a relação de distância entre a edificação e as fontes de ruído. Agora o texto traz a recomendação correta que já vinha sendo aplicada pelas empresas do setor e expressa noManual ProAcústica para Classe de Ruído das Edificações Habitacionais, lançado em 2017. No material se define que o isolamento das fachadas dos dormitórios será definido como classe de ruído 1, se o ruído externo for menor do que 60 (dB), classe 2, se for menor do que 65 (dB) e classe 3, se for menor do que 70 (dB).

Poluição sonora no dia a dia

O ruído de equipamentos de refrigeração, geradores de energia, entre outras máquinas que servem ao setor de comércio, shoppings, galerias, centros de compras, supermercados, açougues e restaurantes tem impactado o dia a dia de pessoas que vivem próximas às regiões urbanas mais adensadas de Salvador. De acordo com Olavo Fonseca Filho, diretor da Sonar Engenharia, as principais queixas dizem respeito ao ruído gerado pelos grupos de motores e geradores, pois muitas empresas ligam esses equipamentos entre as 18h e 21h, como forma de economizar energia. As máquinas de refrigeração do sistema de câmaras frigoríficas são outro problema, pois precisam ficar ligadas durante 24h, todos os dias, e incomodam os vizinhos.

Nessas situações as empresas do setor de acústica atuam muitas vezes como peritas técnicas para o Ministério Público e realizam o monitoramento para gerar mapas sonoros elucidativos, indicando os níveis sonoros medidos dos equipamentos que impactam as residências. Esses laudos são feitos com base na norma ABNT NBR 10151 e na Legislação Municipal vigente. “Muitas vezes, também, após acionados pelo poder público, a própria empresa ou comércio procura um escritório de acústica para desenvolver a melhor solução para mitigar o impacto sonoro causado”, explica Fonseca Filho.