Novas tecnologias impactam a paisagem sonora das cidades

O futuro tecnológico imaginado por cientistas, engenheiros, técnicos – e que foi campo fértil para ser explorado pelos criadores da arte, cinema e da indústria cultural nas décadas 60 e 70 – parece ter chegado. Viagens de turismo espacial, veículos elétricos voadores, teleconferências, internet das coisas, cyber espaço, celulares, inteligência artificial e a robótica estão entre as soluções de hoje, pensadas pelo homem há muito tempo atrás.

Ao que parece, a realidade dos veículos que voam não faz mais parte de aspirações tão futuristas assim. É muito provável que em breve possamos acessar um veículo elétrico e voador, que fará a ligação aérea entre os passageiros do Metrô da Avenida Paulista ou do Largo da Batata, em São Paulo, com o aeroporto de Guarulhos. Essa imagem futurista nos foi dada em entrevista com o professor Júlio Cordioli, do Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ele coordena, entre outros estudos, o da caracterização e medição do ruído de hélices (propeller) utilizadas em aeronaves eVTOL (aeronave de decolagem e aterrissagem vertical elétrica ou electric vertical take-off and landing).

“Temos hoje uma explosão no mundo de projetos de nova aeronaves baseadas no conceito eVTOL. São ainda conceitos muito diferentes entre si de aeronaves”, explica Cordioli. Dois exemplos são as de múltiplos rotores e de empuxo vetorizado (vectorized thrust) onde no caso, a última, a tecnologia de hélice, por girar no seu próprio eixo, pode decolar na vertical e depois funcionar em uma posição horizontal muito parecida com as aeronaves tradicionais. “Trata-se de um universo muito amplo de diferentes modelos de veículos hoje em estudo”, complementa.

Fonte: https://www.airway.com.br/empresa-nos-eua-propoe-aviao-comercial-que-pousa-e-decola-na-vertical/

Para que as tecnologias sejam concebidas levando em consideração a questão do conforto acústico, os especialistas do setor atuam em parceria com centros de pesquisa e desenvolvimento da cadeia produtiva global. Entre eles, a indústria aeronáutica, automobilística, de eletroeletrônicos, de energia, infraestrutura, ambiental e de bens de consumo.

A evolução do controle e qualidade acústica da indústria foi algo fantástico, mas nem tudo são flores. Especialistas estudam hoje formas de combater a poluição sonora e gerar qualidade de vida, sustentabilidade e saúde em meio a equipamentos do passado que se misturam com novas soluções e impactam o horizonte sonoro de forma danosa para as grandes cidades.

Os veículos elétricos terrestres, carros, caminhões e ônibus estão chegando com força ao mercado brasileiro e prometem diminuir os impactos na poluição sonora. De acordo com Juan Frias, coordenador do Comitê Acústica Ambiental da ProAcústica, “ainda pela pouca presença desses veículos no Brasil, não deu para sentir muita mudança em relação aos níveis de ruído. Porém, em alguns países da Europa, hoje as pessoas só podem acessar as regiões centrais das cidades, com veículos elétricos, por conta do melhor desempenho acústico. Os veículos à combustão estão restritos às zonas mais distantes por causa do incômodo sonoro. Nessas cidades já é possível perceber uma redução significativa nos níveis de ruído”, ressalta Frias.

De acordo com o especialista, é necessário um incentivo governamental para expandir o uso desse tipo de veículos e de legislações que restrinjam o uso de tecnologias ultrapassadas e obriguem as pessoas as se adequarem. “Como a tecnologia do setor de transportes, na maioria das vezes, vem de fora, onde as legislações são mais restritivas, temos presenciado cada vez mais veículos (carros, caminhões, motos, trens, metrôs, barcos e aviões), mesmo ainda com tecnologias não tão inovadoras, mas que já utilizam motores e equipamentos mais silenciosos”, afirma.

Imagem: Pixabay

Entre as indústrias de tecnologia de ponta que mais evoluem na fabricação de produtos silenciosos estão as de equipamentos eletrônicos, principalmente as de grande porte, na área de internet e que usam chillers, geradores. Além disso, outros bons exemplos são as de equipamentos de ar-condicionado, como splits e hi wall. “Esses dois segmentos investem pesado em soluções voltadas para o silêncio, tanto na parte de equipamentos externos para não incomodar os vizinhos, como nos internos para gerar conforto dentro de casa”, explica Frias.

Outro fenômeno que cresceu por causa da facilidade criada pelos sistemas de aplicativos de delivery são as chamadas dark kitchen, ghost kitchen ou restaurantes virtuais, que atendem clientes exclusivamente por entrega.

Os exautores em funcionamento geram esforços dinâmicos (vibrações) e podem gerar ruído. “Quando são fixados diretamente na estrutura (parede, teto, piso…), que são caminhos de conexão, levam ruído e vibração a outros ambientes, mesmo distantes da própria fonte geradora, explica Edvaldo Ribeiro, diretor da Vibranihil Amortecedores. Para Ribeiro, é necessário desconectar os exautores das estruturas prediais com o uso de amortecedores adequados, especificados conforme as características de cada equipamento e instalação. “Para o ruído aéreo, é importante considerar o condicionamento acústico conforme o projeto. À medida que ocorre o aumento de equipamentos funcionando, o problema tende a se agravar”.

Os ruídos das dark kitchens não diferem muito dos de restaurantes e lanchonetes, de acordo com Társis Tezza, engenheiro de projetos da Gerb Brasil Controle Vibrações Acústicas. “O que tem ocorrido com frequência é um estranhamento da vizinhança com esses locais que funcionam de portas fechadas e operam fazendo barulho com motoboys chegando e saindo a todo o instante para as entregas”, salienta.

De acordo com Frias, o aumento do número de motoboys ocasionado pela proliferação do uso de aplicativos de entregas e, consequentemente, o ruído causado por esse fenômeno, poderia ter sido registrado e monitorado se a prefeitura tivesse instituído o Mapa do Ruído Urbano de São Paulo. Seria uma importante ferramenta para mostrar como a cidade se comportou com o aumento do uso de motos que fazem esse serviço por meio dos aplicativos.

“Se a cidade tivesse um histórico do Mapa do Ruído Urbano esse panorama poderia nos mostrar como isso ocorreu. Seria possível comparar a situação de antes dos aplicativos, com o depois. E como os mapas obrigam a contar o número de veículos, daria para verificar se houve aumento ou redução do ruído decorrente do tráfego de motocicletas”, pontua Frias.

Imagem: Eduardo Anizelli/Folhapres
Imagem: Arquivo pessoal

Uso de drones

Os drones de pequeno porte estão começando a fazer parte da paisagem acústica das cidades. Seja no uso como lazer ou em atividades profissionais, ambas para filmagens e fotografias aéreas. “As pessoas já começam a reconhecer o ruído, mas estamos no começo dessa evolução no sentido de ter a tecnologia mais presente na paisagem acústica das cidades. A tendência é que esse fenômeno cresça”, explica o professor Cordioli.

Para esse tipo de tecnologia ainda não existe no mundo metodologia para medir e padronizar a emissão de ruídos. “Desconheço qualquer metrologia para ruído de drone. Eles realmente estão em uma categoria completamente fora do que a gente está acostumado. Realmente é um problema muito sério no médio prazo. Está na hora de se pensar em padronizar”, pontua Cordioli.

Para Juan Frias, o uso dos drones ainda não é algo tão significativo para apresentar um aumento do ruído nas cidades em comparação com outros tipos de fontes. “O ruído nesses casos ainda é muito pontual de acordo com as formas de utilização dos equipamentos. Por enquanto, ainda afetam um grupo muito reduzido de pessoas”, explica.

Imagem: Pixabay

Desafios para os veículos voadores

A expectativa é de que as aeronaves urbanas eVTOL sejam muito mais silenciosas do que se apresentam hoje. “Na verdade, elas terão que ser mais silenciosas se quiserem operar em uma cadência (número de voos por hora) grande”, ressalta Corbioli. Quanto maior o número de voos, menor terá que ser o ruído, já que o objetivo é operar em ambientes urbanos. Nesse caso, não é possível compará-las com o ruído de helicópteros, que são aeronaves muito mais barulhentas e possuem cadência de operação muito menor, além de não trabalharem em ambientes urbanos.

Nos Estados Unidos, as empresas Delta e American Airlines, no Brasil, a Gol e a Latam, já possuem contratos com empresas para utilizar aeronaves eVTOL para ligar centros urbanos a aeroportos.

Talvez a principal questão para a operacionalização dessas aeronaves, em meio aos ambientes urbanos, será a segurança e os limites de ruídos aceitáveis em um universo de veículos completamente diferentes um dos outros. A academia e os órgãos governamentais estão começando a desenvolver metodologia para a medição de ruído e certificação desses produtos.

De acordo com o professor Corbioli, a grande maioria dessas aeronaves usa rotores abertos. Em poucos casos usam hélices fechadas, em dutos, onde a hélice é colocada dentro de um duto similar aos de motores turbofan de aeronaves comerciais e isso é um desafio para a acústica. A ideia de alterar a geometria da hélice para amenizar o ruído pode ser uma alternativa, mas o desafio é a perda de desempenho. A interação entre múltiplos formatos de hélices pode também aumentar ou diminuir o nível de ruído da aeronave e a interação do ruído da hélice com a própria estrutura da aeronave é outro fator importante no desempenho acústico.

“Estamos fazendo testes na câmara e buscamos identificar os principais componentes desse ruído que em geral é caracterizado por componentes tonais, associados à frequência de passagem de pás e ao que chamamos de ruído broadband (ruído de banda-larga), mais associado à turbulência gerada pelo escoamento da hélice”, explica o professor. Na sequência, a partir dessa caracterização, o objetivo dos pesquisadores é propor soluções para atenuar o ruído dos equipamentos.

Imagem: Dave Brenner/MSU