Por conforto acústico, escritórios exigem flexibilidade na arquitetura dos ambientes

A organização de planta livre – open plan (escritórios coletivos e panorâmicos) – que dominou a arquitetura e o layout corporativo no final da década de 50 e início dos 60 começa a ser substituído por espaços mais flexíveis e divididos por zonas ou células. Muitas vezes até por salas fechadas. Uma pesquisa realizada pelo Instituto Nacional de Pesquisa da Saúde e Segurança do Trabalho, na França, mostrou que trabalhar o dia todo exposto a conversas paralelas e inteligíveis pode gerar cansaço, stress e efeitos nefastos nos sistemas nervoso, cardiovascular e digestivo.

A integração e a ampla visão das equipes em um mesmo ambiente de um escritório open plan (escritórios coletivos) e panorâmico parecia ser o cenário ideal para as empresas no final da década de 50 e início da de 60, após os ambientes de escritórios passarem por variações de modelos como Bull Pen, Single Office e Executive Core. Essa organização de planta livre que dominou a arquitetura e o layout coorporativo há décadas está sendo substituída por espaços mais flexíveis e divididos por zonas ou células. Muitas vezes, até por salas fechadas. E um dos principais motivos dessa transformação é o conforto acústico.


Créditos Imagens: Escritório Engexpor e Rela Page São Francisco EUA

Logo da introdução desse formato de escritórios open plan, o gestor podia acompanhar a movimentação de um departamento todo ou ala da empresa sem levantar da sua mesa. Ele estava estrategicamente alocado em uma sala isolada por divisórias de vidro, como em um aquário.

Sem ser influenciado pelo som, o gestor parecia ver um corpo só em movimento, uma sala funcionando de forma integrada na busca pelos resultados. Na teoria, essa configuração parecia ser a ideal para a gestão de pessoas mas, na prática, ao longo dos anos, as empresas perceberam que esses ambientes faziam com que as pessoas compartilhassem mais informações do que o necessário.

“Em um escritório open plan, onde as divisórias não vão até o teto, o controle da reverberação é uma etapa fundamental. Um ambiente reverberante provoca um grande raio de distração e aumenta a taxa de erros. A produtividade pode reduzir em até 40% e o indivíduo leva até 15 minutos para recuperar a concentração depois de ter sido distraído por ruídos. Inúmeros estudos apontam o ruído como uma das principais causas de stress, o que desencadeia uma série de outros problemas como: pressão alta, problemas digestivos e dores de cabeça”, explica Débora Barretto, diretora técnica da consultoria Audium.


Crédito imagens: Studio Tec

Uma pesquisa realizada em 2014, com 619 assalariados do Instituto Nacional de Pesquisa da Saúde e Segurança do Trabalho na França, mostrou que trabalhar o dia todo exposto a conversas paralelas e inteligíveis pode gerar cansaço, stress e efeitos nefastos nos sistemas nervoso, cardiovascular e digestivo. Em muitos artigos de escritórios de arquitetura e agências de comunicação internacionais é comum encontrar relatos de que o barulho dos escritórios abertos arruínam os processos criativos dos profissionais.

Sem barreiras e, sem querer, os usuários desses espaços compartilham de tudo, debates sobre o futebol, política, crises no casamento, sem contar as constrangedoras ligações telefônicas para bancos ou empresas de telefonia. Tudo é percebido de forma automática e isso, em boa parte, compõe o chamado clima organizacional, ou seja, aquilo que se percebe no “ar”, as reações de euforia, cobranças por resultados, frustrações, alegrias e tristezas.


Crédito Imagem: Marelli Home Arquitetura

No Brasil não existe uma norma específica de acústica para escritórios. Os critérios utilizados são da ABNT NBR 10152, para níveis sonoros internos de edificações conforme o uso. Em salas de reunião, de acordo com a norma, os níveis recomendados como aceitáveis variam entre 35 dB e 40 dB. Para salas de gerência, diretoria e de videoconferência, os níveis variam entre 40 dB e 45 dB. Em escritórios coletivos, recepções e salas de espera, os níveis variam entre 45 dB e 50 dB. Para centrais de telefonia (call centers) e circulações, os níveis variam entre 50 dB e 55 dB. Todos os níveis citados acima são referentes ao índice “RLAeq” da norma ABNT NBR 10152.

Normas e tendências

Existem normas internacionais que podem ser utilizadas como referência, como a francesa NF S 31-080 Bureaux et espaces associés, que trata da qualidade acústica de escritórios e espaços similares; a alemã VDI 2569, intitulada Schallschutz und Akustische Gestaltung im Bϋro (Controle de ruído e tratamento acústico em escritórios); e a parte 3 da norma ISO 3382 (Medição de parâmetros de acústica de salas – Parte 3: Escritórios de planta livre).

A tendência atual da organização interna das empresas é a de escritórios divididos em zonas ou células, onde o espaço torna-se dinâmico e flexível e o senso de permanência e fixação é abandonado em favor da flexibilidade, facilidade de movimento e transitoriedade. “Realizamos vários projetos onde nem o CEO tem uma sala própria e o conceito é que todos os espaços pertençam a todos, sem a tradicional estação privativa. Para funcionar, uma das opções é prover o colaborador de escolhas para diversos usos, como mini salas de reunião informais, pods de estudo, phone booths, focus room etc”, explica Marcos Holtz, Vice-Presidente de Atividades Técnicas da ProAcústica.

Muitos escritórios já projetam salas fechadas para equipes menores tendo como critério o grau de interatividade e necessidade de concentração que a atividade do grupo necessita. A gigante mundial dos escritórios coworking, a WeWork, oferece aos usuários cabines com isolamento acústico para chamadas telefônicas (phone booths) particulares. Para Lineu Passeri Júnior, sócio-diretor do escritório Passeri & Asssociados, os escritórios de coworking exigem um cuidado ainda maior nas decisões relativas ao projeto de acústica.


Crédito Imagens: Jose Luis Stephens-Getty Images – Unplash

“Ao invés de uma única empresa, podemos ter 10 ou mais empresas diferentes no mesmo ambiente de trabalho. Por isso, além de aspectos como o controle da propagação do ruído aéreo e a neutralização das possíveis reflexões sonoras em grandes superfícies duras (de piso, paredes e forro), por exemplo, o projeto de acústica deve propor áreas semidefinidas para fazer e receber chamadas telefônicas e conference calls, reunir-se com clientes e fazer reuniões de brainstorming”, explica Passeri.

O tratamento acústico para esses espaços pode ser realizado com soluções para o isolamento de transmissões diretas e indiretas, além do isolamento ao ruído e vibrações de máquinas e equipamentos e instalações hidráulicas. Outro aspecto importante é a análise do equilíbrio das superfícies de reflexão e absorção, com indicações de materiais de revestimento adequados. É necessário, em princípio, um trabalho de estudo de massa com o objetivo de conhecer no detalhe as atividades que serão desenvolvidas no espaço.

Segundo Fernando Neves, coordenador de soluções para conforto térmico e acústico da Isover Saint Gobain, “nos escritórios open space se o conforto acústico não for pensado como prioridade desde a concepção do projeto arquitetônico, haverá uma tendência de não funcionar muito bem em relação à integração e sinergia entre equipes. É necessário um trabalho de estudo de massa com o objetivo de conhecer no detalhe as atividades que serão desenvolvidas, a ocupação, o volume (m³) dos espaços e como eles se relacionam e estão interligados, e quais os níveis e tipos de ruídos presentes em cada ambiente. Estes estudos iniciais são os responsáveis por proporcionar na prática uma boa qualidade acústica, garantindo a inteligibilidade, a concentração dos profissionais, maior produtividade, privacidade e bem estar. Dessa maneira, evita-se o afastamento de colaboradores por stress, fadiga e doenças desenvolvidas em ambientes não preparados acusticamente”. Existem vários produtos e soluções acústicas hoje que minimizam as reflexões e propagações dos sons para atingir níveis adequados de conforto acústico. “As mais conhecidas são as nuvens e baffles, que se integram aos espaços por meio de diversas modulações, formatos e cores”, completa Neves.

Para os novos escritórios, segundo Nancy Devai, gerente de produtos da Owa Sonex, os forros contínuos, modulares e removíveis ainda são os mais utilizados, mas deram espaço às chamadas nuvens acústicas − painéis horizontais com elevada absorção sonora e que podem ser adicionados apenas nas áreas de maior ruído. “As nuvens estão disponíveis em diversos formatos e cores e atuam como parte integrante da arquitetura. Outro elemento de absorção sonora utilizado, pela versatilidade e praticidade de instalação, são os painéis baffles, dispostos na vertical.


Crédito Imagem: Office Snapshots

As linhas de produtos, soluções em forros e revestimentos possuem excelente desempenho acústico e auxiliam no conforto dos escritórios e melhoram o bem-estar dos usuários. São produtos com alta absorção sonora que diminuem a reverberação e melhoram a qualidade do ambiente, explica Paula Omizzolo, gerente de desenvolvimento de mercado da Knauf AMF.

Para José Carlos Giner, diretor-técnico da consultoria em áudio e acústica Giner, “de imediato pensa-se na  utilização de elementos absorventes mas, com um criterioso estudo do espaço e posicionamento de áreas, principalmente para empresas que trabalham com conteúdo de áudio e vídeo, a criação de pequenos espaços confinados e o uso de forros em alturas diferentes conseguimos bons resultados”.

Os estudos para a elaboração de projetos de acústica em obras de retrofit ou novas salas precisam levar em conta diferentes situações da rotina de trabalho de cada setor, área ou departamento e a atividade dos usuários. Segundo Holtz, desde a década de 60 os escritórios de arquitetura pioneiros no conceito open plan, como o escritório alemão “Quickborne”, já elaborava o planejamento da distribuição dentro do escritório baseados no nível de colaboração e de interação entre setores.

De acordo com arquiteto e especialista, Felipe Paim, da Audium, “o certo é que existe uma tendência em elaborar um projeto mais humanizado e menos padronizado onde o colaborador se sinta mais à vontade e possa trabalhar melhor e com produtividade. O desafio do projeto acústico está em proporcionar um ambiente com nível de ruído controlado e associar o layout com espaços individuais e coletivos ao nível de privacidade desejado”, ressalta o arquiteto.