Ruído urbano desafia saúde pública e exige ação global, diz presidente do I-INCE

A acústica e o controle de ruído urbano são um campo de estudo amplo e crucial, impactando significativamente a saúde e a qualidade de vida das pessoas. O atual presidente do International Institute of Noise Control Engineering (I-INCE) e professor universitário em controle de ruído, Luigi Maffei, falou durante o Inter-Noise 2025, em São Paulo, sobre os desafios da mitigação sonora em diferentes lugares do mundo. Embora cidades em regiões desenvolvidas tenham avançado no controle de ruído, muitas outras, especialmente nos países mais pobres, enfrentam altos níveis de poluição sonora. Durante a conversa, Maffei destacou o impacto significativo do ruído na saúde, na qualidade de vida e na educação, além de discutir os esforços do I-INCE para transferir conhecimento e promover a formação de jovens pesquisadores em controle de ruído, especialmente em países em desenvolvimento, um compromisso que se reflete na própria realização da conferência no Brasil.

O senhor tem uma longa trajetória na pesquisa e ensino em controle de ruído. Como vê a evolução do campo nas últimas décadas, especialmente em contextos urbanos?

O controle de ruído está presente em diversas áreas. Obviamente, o controle de ruído urbano é um dos principais tópicos no congresso Inter-Noise, com muitas publicações e apresentações. Mas também abrange o ruído de máquinas, o ruído de equipamentos, como este gravador. Tudo está conectado ao ruído, que está presente mesmo que não quisermos, dentro desta grande família de controle de ruído. Nesta conferência temos 12 sessões em paralelo, cobrindo diferentes tópicos com diferentes especialistas. As cidades estão se tornando cada vez mais barulhentas. Algumas empreenderam atividades significativas para reduzir o ruído de fontes mecânicas como carros, motocicletas e tráfego, mas outras não fizeram muito, e outras nada. Muitas cidades na África e na Índia, por exemplo, estão cheias de ruído. Isso tem forte impacto na qualidade de vida e na saúde das pessoas, levando a distúrbios do sono, problemas cardiovasculares e outras questões. Outro exemplo é o impacto na educação, pois se você tiver aulas em um local muito barulhento, você se distrai e seu desempenho é, claro, menor.

Há muitas pesquisas mostrando o impacto do ruído em nossa saúde, o que aumenta nossa preocupação com todos esses ruídos. Você vê isso acontecendo internacionalmente?

Sim, internacionalmente conhecemos os efeitos do ruído há muitos anos. Uma tarefa é fazer com que mais pessoas conheçam esses efeitos, mas também as soluções para limitá-los. Nem sempre é fácil, pois essas soluções podem entrar em conflito com outras necessidades das pessoas. Outro interesse dos engenheiros de controle de ruído é tornar máquinas e carros menos barulhentos. Vinte anos atrás carros e aviões eram mais barulhentos do que os atuais. Agora, também existe o ruído dos drones. Ficamos de olho em tudo que é introduzido no mercado e que pode impactar nosso meio ambiente.

Poderíamos dizer que essa é a principal preocupação do I-INCE hoje em relação à poluição sonora?

Existem muitas, depende do país. Alguns países precisam de mais base, e há países que estão um pouco mais avançados. Aqueles que estão avançados tentam criar lugares muito silenciosos. Mas em outros lugares, isso não é uma possibilidade, então temos que disponibilizar educação e transferir conhecimento para a gestão pública sobre como lidar com essas questões. O controle de ruído é um tópico muito amplo.

O senhor mencionou iniciativas para ampliar o acesso à tecnologia de controle de ruído em regiões menos desenvolvidas. Como esses programas estão sendo implementados? O que I-INCE fará nos próximos anos?

Nós patrocinamos muitos jovens desses países para participar desta edição do Inter-Noise. Foram 20 bolsas para pessoas de diferentes países. Eles poderão voltar e aplicar o conhecimento adquirido aqui em seus países, organizar cursos e formar pequenos grupos de pessoas para participar, adquirir conhecimento e expandir. Este tópico é muito antigo – falamos sobre controle de ruído há cerca de 100 anos. Em países ricos, foi alcançado um nível muito alto de controle, mas em outros países também existem outros problemas a serem combatidos. Estávamos cientes de que estávamos discutindo o controle de ruído apenas entre pessoas ricas, então, lançamos este programa. Leva tempo para alcançar pessoas em diferentes países e transferir conhecimento; muitos deles não podem viajar, e agora as atividades online são bastante importantes nesse sentido.

Como o Inter-Noise 2025, sediado no Brasil, se diferencia das edições anteriores em termos de participação e temas abordados?

Mudamos a área do mundo todos os anos. Desta vez foi na América; no próximo ano será na Austrália, depois de volta à Europa, e então volta à América novamente. Desta vez, viemos da América do Norte para a América do Sul. Do ponto de vista da estrutura organizacional e dos temas, não há muitas diferenças. Mas muitos brasileiros participam desta conferência, e participar em um ambiente internacional traz mais interesse, e claro que aponta os problemas enfrentados por cada nação. Provavelmente, a experiência é que agora temos mais brasileiros aqui; no ano passado, tivemos mais pessoas da Europa; no próximo ano, teremos mais da Austrália e talvez da Ásia. Também tentamos responder ao problema do fechamento das fronteiras. Nós nos esforçamos para manter a informação fluindo, porque se todos ficarem em casa sozinhos, o problema não será resolvido.

O senhor acredita que o conceito de “soundscape” pode ser integrado às políticas públicas urbanas de forma mais efetiva?

Eu fui um dos primeiros a falar sobre isso há 20 anos. Acredito que não seja um tópico fácil, porque a paisagem sonora é um conceito no qual não apenas o ruído, mas toda a atmosfera contribui para a felicidade das pessoas. Isso significa que você não pode focar apenas no som, mas deve considerar diferentes aspectos e o som é um deles. Por exemplo, pode-se criar um parque muito agradável, mas se houver uma rodovia próxima, as pessoas não se sentariam em um banco para ler um jornal ou fazer outras atividades. Então, vai depender da temperatura, da possibilidade de árvores, da visão e do som. A paisagem sonora é sobre como o som se integra com todos esses outros elementos dentro de um projeto. É preciso ter conhecimento de todos os outros processos, não é possível simplesmente dizer “vamos tirar todo o ruído” se ninguém for [ao parque]. Deve ser uma parte de uma experiência multissensorial. Há muitas sessões este ano trabalhando nisso. Nós ouvimos, vemos, cheiramos. O som é uma parte muito importante do nosso ambiente multissensorial.

Você vê essas questões sendo discutidas não apenas por profissionais técnicos, mas também no poder executivo e legislativo?

Sim, alguns prefeitos e profissionais administrativos são mais sensíveis a esta questão. Com a paisagem sonora, você também obtém feedback da população sobre o que ela quer acerca desse problema, e há muitas soluções. Um bom parque no lugar errado é um desperdício de recursos porque não será frequentado. Na paisagem sonora é preciso ter conhecimento de todos os aspectos e então aplicá-los. Muitos arquitetos estão trabalhando nisso, mas, para trabalhar nisso, é preciso de conhecimento do problema. No passado, não era fácil.

Que papel o senhor vê para os estudantes e os novos pesquisadores na construção de cidades mais silenciosas e saudáveis?

Principalmente, trata-se de conhecimento. O número de jovens participando do Inter-Noise e trabalhando no controle de ruído está aumentando a cada ano. Isso ocorre porque a acústica de controle de ruído é ensinada mais nas universidades do que no passado. Este tópico agora também atrai mais mulheres, enquanto 20 anos atrás havia menos interesse, porque é ensinado em diferentes campos como física, engenharia e arquitetura. Em contextos urbanos, por exemplo, os arquitetos precisam conhecer os materiais a serem usados, o planejamento da cidade e como organizar parques. Então, o papel da arquitetura agora é importante, e arquitetos devem ter conhecimento sobre esses tópicos.